sábado, 14 de julho de 2012

Inóxia carraspana

«Ega deu imediatamente um pulo da cama, e atordoado, esguedelhado, procurava a roupa, com as canelas nuas, tropeçando contra os móveis. Só achou o gibão de Satanás. Chamaram o criado, que trouxe umas calças de Craft. Ega enfiou-as à pressa: e sem se lavar, com a barba por fazer, a gola do paletó erguida, enterrou enfim na cabeça o boné escocês, voltou-se para Carlos, disse com um ar trágico:

— Vamos a isso!

Craft, que se erguera, foi acompanhá-los ao portão, onde esperava o coupé de Carlos. Na alameda de acácias, tão tenebrosa na véspera sob a chuva, cantavam agora os pássaros. A quinta, fresca e lavada, verdejava ao sol. O grande terra-nova do Craft pulava em roda deles.

— Dói-te a cabeça, Ega? — perguntou Craft.

— Não — respondeu o outro, acabando de abotoar o paletó. — Eu ontem não estava bêbado… O que estava era fraco.

Mas, ao entrar para o coupé, fez, com um ar profundo e filosófico, esta reflexão: — O que é a gente beber bons vinhos… Estou como se não fosse nada!»

Eça de Queiroz, em «Os Maias»

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