quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Amável Clube

Amigos leitores

O Amável Vinho completa em 2020 dez anos de existência. Nos últimos quatro, esteve fechado nesta adega electrónica a envelhecer. Reabri-o neste Inverno, apurado pelas longas estações de silêncio e de paciência.

Desejo servir-lho, partilhá-lo convosco, por muitos anos ainda; mas, para merecer um pouco do seu tempo, preciso poder continuar a dispor de uma boa porção do meu. E os leitores sabem — o tempo está pela hora da morte. Não posso mais escrever pro bono, nem para a Madonna, que deve saber tanto português comò vocalista dos U2; porém, gostava de não deixar de escrever para si.

A Sogrape tem o Clube Reserva 1500, que permite a 1500 afortunados comprar Barca Velha etc. a preços de amigo: assim também o Amável Vinho passará a ser distribuído em exclusivo aos sócios do Amável Clube (para não lhe chamarmos Clube Modéstia 150+ ou algo pior).

Mudo-me, pois, para uma nova morada: patreon.com/amavelvinho. Inscreva-se aí, contribuindo com um montante ao seu critério, e sejamos consócios, amigos leitores. Com a sua participação, não apenas possibilita a continuidade do Amável Vinho como adquire o acesso privado ao seu arquivo — à frasqueira, digamos —, a cada nova publicação e a uma comunidade modesta de amadores de vinho.

Bem-vindos todos! ​Saúde!

João Inácio

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

A magnitude do prazer

O leitor mais atento — vossemecês são cinco (arredondando), e quem leia às pressas ou de través é natural que perca as últimas linhas — reparou no remate da nota anterior:

«8 valores (puxando a 9) na Escala de Grâmaso.»

Se, além de atento, tiver a sorte adicional de não ser desmemoriado (é vossemecê, é, leitor), sabe que eu não dou pontos — nem nós, valha a verdade, excepto o Ian Knot, no dia-a-dia, e o Double Slip Knot, ou Ian's Secure Shoelace Knot, quando calço as velhas Doc Martens de dez ilhós de quando as minhas pernas eram rijas comò punk.

Acontece que, há dois Verões, certo dia ao almoço, com um Quinta dos Termos Reserva Branco 2016 no copo, calhei interrogar-me: Quanto é que gramas o vinho?

A Escala de Grâmaso serve tão-só para responder numericamente a esta pergunta prosaica. Trata-se de uma escala de valoração do prazer concedido por um dado vinho, não do vinho em si. É uma magnitude do prazer.

Mantenho, por conseguinte, que não atribuo pontos nem veredictos: o número representa apenas mais uma impressão pessoal e, o que é mais, circunstancial. Porque, convém não esquecer — o vinho é o vinho e a minha circunstância.

P.S.: Escapou-me enunciar um pormenorzinho, que, de qualquer maneira, o leitor perspicaz (carambíssima, vossemecê é uma máquina) já percebera: a Escala de Grâmaso é de 10 valores.

P.P.S.: O leitor curioso (chiça) ainda gostará de saber que o dito Quinta dos Termos Reserva Branco 2016 — que hoje adquire a glória imortal de estar na origem da Escala de Grâmaso — registou 8 valores.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

Almiara 2018

E à quarta-feira, o primeiro quarteirão da semana.

Dá-me um bocadinho do seu lume?

Quinta da Almiara. Vinho de mesa. Syrah, Caladoc, Aragonez, Merlot, Castelão, Alicante Bouschet. Lisete Lucas (enol.). 13% vol. 6,80 € (5 l) (produtor).

Boas, frescas, tintas 1.6 unidades de álcool, recendentes a imaculada fruta e Castelão de Torres Vedras, com aquela nótula salgada — ou melhor, não-doce — de osmazoma.

Quer-se bebê-lo em — já se sabe — grandes talagadas, mas eu apenas lhe dei uns beijinhos ao jantar, prolongando o prazer pelo serão, com uma série de truz na televisão.

8 valores (puxando a 9) na Escala de Grâmaso.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Dedais & quarteirões

Outro dia almocei fora — por sinal, no meu restaurante favorito. Havemos de lá ir um dia destes, leitores.

Entre a refeição — bons pão e azeitonas, uma saborosa carne de porco à alentejana, um honesto pudim — e uma prova de três tintos que fiz depois, como quem arrebenta diabos, contabilizei 2.7 unidades de álcool. Aliás, para o efeito, estimar é um verbo bem mais apropriado.

Estimei, então, uns 150 mililitros bebidos pausadamente ao almoço, mais 50 nas provas. Para facilitar as contas, considerei o mesmo teor alcoólico de 13,5% para os quatro vinhos, multiplicando-o pelos 0,2 litros ingeridos, assim obtendo o número de 2.7 unidades.

Se, por curiosidade, quisesse saber a quantidade de álcool puro que me administrei, bastaria esta operação: 0,2 l x (0,135 vol. x 789,24 g/l) = 21,3 g (o multiplicando entre parênteses representa a densidade do álcool a 20° C).

Há algum tempo que sigo as recomendações das autoridades sanitárias do Reino Unido, que acho sensatas e consentâneas com a minha natureza: não exceder as 14 unidades de álcool por semana; distribuí-las razoavelmente por quatro ou cinco dias; e dar descanso ao fígado em outros dois ou três.

Além de benéfico e facílimo, o consumo alcoólico neste regime regrado, moderado, virtuoso, concede prazeres particulares, insuspeitados. A mim, por exemplo, proporciona-me a grande satisfação linguística de beber em dedais e quarteirões: não tomo senão um dedal — «porção mínima de alguma coisa», segundo o dicionário Houaiss — de Porto, Moscatel ou Carcavelos, e a minha justa medida de vinho de mesa é «a quarta parte de um quartilho», ou seja, 125 mililitros — isto é, um quarteirão.

Como não sou maluco de todo nem dado a obsessões nem extremismos, já tenho prevaricado e bebido, deliberadamente, vinho aos marqueses — meios quartilhos —, aos quartilhos — meios litros — e, em maiores talagadas, à garrafa — a unidade alcoólica das férias, digamos.

No dia-a-dia, porém, relembro a lição de sobriedade de Cornaro: «uma vida regular é um excelente preservador contra todos os males naturais, e (...) a intemperança produz efeitos completamente contrários».

Modéstia, modéstia. É o que eu sempre digo.

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Um copito à razão

Salve, irmãs e irmãos. Vai um copo, em nome dos velhos tempos?

Sugiro que optemos por um de três truísticos, mui tragáveis, sem tremendos truques tintos que provei e bebi com prazer ultimamente, a saber: o vetusto Periquita de 2018, da José Maria da Fonseca; o vinho da casa do restaurante do Sport Clube e Olivais, de que só sei dizer que é servido fresco, se se quiser e como é melhor, em garrafas de litro de Faisão branco adamado; e o modestíssimo Porta da Tapada 2016, da Adega Cooperativa de Azueira.

O que une este trio de vinhitos — diminutivo enaltecedor, como sabe quem alguma vez tenha ouvido Joaquim Bação perguntar sobre o vinho de talha da sua bela Adega Velha, em Mourão: «O vinhito bebe-se?» — é o corpo lépido, o balanço fresco e afrutado, a simpleza do vinho próprio para beber — e, no Periquita e no Porta da Tapada, pelo menos, a predominância do Castelão, possivelmente, a nossa casta mais sábia.

Bebamos, pois! À razão!