quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Amar Beber Calar

Tão cedo passa tudo quanto passa!

Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
          Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina. Circunda-te de rosas, ama, bebe
          E cala. O mais é nada.

Ricardo Reis (1923)

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

As bodas de Caná

«No terceiro dia, houve um casamento em Caná da Galileia. A mãe de Jesus estava lá. Jesus e os seus discípulos também foram convidados. A certa altura da boda faltou o vinho. Então a mãe de Jesus disse-lhe: “Já não têm vinho!” Jesus respondeu: “E que temos tu e eu a ver com isso, mulher? A minha hora ainda não chegou.”

Ela então disse aos criados de mesa: “Façam tudo o que ele vos disser.” Havia ali seis vasilhas de pedra das que os judeus utilizavam para as suas cerimónias de purificação. Cada uma levava uns cem litros de água. Jesus mandou aos criados: “Encham de água essas vasilhas.” Eles encheram-nas até acima. Depois disse-lhes: “Tirem agora um pouco e levem ao mestre de cerimónias para ele provar.” Eles assim fizeram. O mestre de cerimónias provou a água transformada em vinho. Não sabia o que tinha acontecido, pois só os criados é que estavam ao corrente do facto. Mandou então chamar o noivo e observou-lhe: “É costume nas bodas servir primeiro o vinho melhor e só depois de os convidados terem bebido bem é que se serve o menos bom. Mas tu guardaste o melhor até agora!”

Deste modo, em Caná da Galileia, Jesus realizou o primeiro dos seus sinais. Assim manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele.»

João 2

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Senso e sensibilidade

«Ernest parecia contente com as rotinas de comer e beber que tinha imposto a si mesmo. Bebia um copo de vinho ao almoço, uma quantidade moderada ao jantar, e mantinha o seu Scotch nocturno reduzido a duas doses. O seu almoço favorito era um copo de vinho tinto e uma sanduíche de manteiga de amendoim e cebola crua. Pela primeira vez desde que eu o conhecia, ele ia livremente a casa de outras pessoas jantar, pois todos eram bons amigos que o deixavam fazer as próprias bebidas e em cuja comida simples de Ketchum ele podia confiar. Levava sempre o vinho, que seleccionava das suas reservas de garrafas boas mas relativamente baratas. “Desisti dos vinhos caros pela Quaresma de 1947”, Ernest explicou certa vez, “e nunca os retomei. Também deixei de fumar muito antes disso, porque o fumo de cigarro é o pior inimigo do nariz, e como é que se pode apreciar um bom vinho que não se consegue verdadeiramente cheirar?”»

A. E. Hotchner, em Papa Hemingway: A Personal Memoir

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

O Grande Lu

Outra coisa que tenho em comum com o grande Lu (Para ser grande, sê inteiro): eu também não acredito por aí além na Medicina.



quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Sinais

Cultura, história, sabedoria: Fernando Alves com o Prof. Virgílio Loureiro, primeiro molhando a palavra em branco de talha, depois voltando da Amareleja. O exemplo dos antigos e o exemplo da Geórgia. Sinais de apreensão.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Belém, Belém, Belém

Quinze minutos à Belenenses justificam brindar. E o 169.º aniversário do Eça também. À sua! À do Lu, verdadeiro adepto verdadeiro, que vale por uma ― duas ― dez claques! À nossa!


quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Soluço quase erótico

Uma flor que colhi há semanas na ficha técnica do Malhadinhas branco e deixei a secar na pasta dos descarregos:

«Aroma | Intenso, selvagem quase erótico.»

Vinhos feitos com Folgasão é no que dá.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Soluço moral

Beber com moderação, mas sem cobardia.


A propósito, ainda se apanha por estes dias no Aldi o Moscatel de Setúbal da Adega de Palmela, a colheita de 2012, premiada pela Decanter com medalha de prata, a cerca de 3,50 €. Não ajas como se foras viver dez mil anos, nem como se foram eternas as promoções dos supermercados.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Soluço espiclondrífico

No folheto da actual campanha de vinhos do Continente, que brinda o povo com as espiclondríficas, “lavantes” e “sucrosas” notas de prova de Aníbal Coutinho, lê-se esta explicação dos vinhos do Alentejo:

«Produzidos sobre sol intenso, tornam-se vinhos com uma graduação acima da média nacional, que lhes confere um sabor macio.» Ou seja, os vinhos alentejanos são mais alcoólicos do que os outros porque apanham sol por baixo. E depois:

«Os brancos caracterizam-se pelas suas cores e aromas expressivos, dominados pelas castas presentes em maior quantidade.» Portanto, as castas presentes em menor quantidade não logram dominar. Nos brancos alentejanos, pelo menos.

Dúvidas? Então podem sair e ir ao Continente comprar Vinha do Putto. Diz que tem notas de pastelaria doce. Mesmo a pastelaria que eu mais gramo.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

A fé da malta

Hoje, se o leitor me dá licença, faz anos o meu clube: o Clube de Futebol Os Belenenses. (Clube de Futebol. Não é Futebol Clube. Não é Sport nada. É Clube de Futebol. Os rapazes da praia eram portugueses de Belém.) 95 anos.

A data justifica que se saia de casa propositadamente para comprar um Ramos Pinto, digamos um Bons Ares ou um Duas Quintas. Porque os brindes, os vivas e os votos desta noite hão-de ressoar sobre os telhados do mundo a fé da malta: ― Com este símbolo, vencerás.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Hoje adiemos

Sem clepsidra ou relógio o tempo escorre

Sem clepsidra ou relógio o tempo escorre
E nós com ele, nada o árbitro escravo
          Pode contra o destino
Nem contra os deuses o mortal desejo.
Hoje, quais servos com ausentes deuses,
Na alheia casa, um dia sem o juiz,
          Bebamos e comamos.
Será para amanhã o que aconteça.

Tombai, mancebos, o vinho em nobre taça
E o braço nu com que o entornais fique
          No lembrando olhar
Como uma água que parece vinho!
Sim, heróis somos todos amanhã.
Hoje adiemos. E na erguida taça
          O roxo vinho espelhe
Depois — porque a noite nunca falta.

Ricardo Reis (s. d.)

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Vinho apagador

Melhor ainda é esta, que à primeira vista de An Evening with Robin Williams não consegui perceber. É o início do excerto que aí ficou:

«Agora vou beber um pouco de vinho, por um momento. Um pequeno apagador no quadro da vida.»

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Um filha-da-puta

Uma curiosidade sobre esse excerto de An Evening with Robin Williams, de 1982. Aquela primeira pilhéria reza assim: «Há vinhos brancos, há vinhos tintos, mas porque é que não há vinhos pretos, como: Rege, um filha-da-puta. Vai com peixe, carne, qualquer porcaria que ele quiser. Mas não era simpático ter alguém como o Mean Joe Greene a publicitá-lo? É melhor comprares isto, ou eu prego-te o cu a uma árvore.»

Ora, o exposto valeu a Robin Williams um processo judicial, intentado por um distribuidor de vinhos chamado David Rege. Este alegava ter o seu negócio — as Adegas Rege e os vinhos do mesmo nome — sofrido «dano e injúria» com a brincadeira de Williams, que, a seu ver, passava a ideia de os seus vinhos serem inferiores. Queixava-se de «“libelo comercial”, difamação pessoal, inflicção intencional e negligente de sofrimento emocional, invasão de privacidade e interferência intencional e negligente com ganho económico prospectivo».

Os tribunais não atenderam as pretensões de Rege. No arrazoado jurídico do que parece ser um processo conexo, há um número de considerações bem achadas e seriíssimas: «É fundamental que os tribunais não possam abafar a expressão ajuizando sobre a sua aptidão ou falta de jeito, a sua sensibilidade ou grosseria, nem sobre se ela magoa ou agrada.» «A comédia parte do absurdo e do inexplicável, e, como a fé, tolera o milagroso.» E, pelo meio, a melhor de todas (fazendo o favor de desculpar a minha tradução desabafada de “motherfucker”): «Escusado dizer, é conceptualmente difícil atribuir algum sentido a uma perspectiva de um vinho como um “filha-da-puta”.»

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Um bom rapaz

«Eu gosto do meu vinho como gosto das minhas mulheres: prestes a desfalecer.»

Copos ao alto pelo génio de Robin Williams. Consta que era um bom rapaz. Paz à sua alma.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

O perfume do tempo

«The business of life is the acquisition of memories. In the end, that's all there is.» O negócio da vida é a aquisição de memórias. No fim, é tudo o que há.

A cogitação é de Mr. Carson, mordomo — e adegueiro, e escanção — de Downton Abbey. Havemos de ir a Yorkshire, shall we?

Aí ficam duas aquisições recentes. O Casal da Azenha Reserva Velho 1960 foi uma alegria que o Barrete Saloio nos deu. Uma cortesia entre Inácios, para nos consolar da falta do Morgado de Bucelas.

Aroma gordo, balsâmico, de café, carne, especiarias e sei lá
que mais. Excelente com o toucinho do céu da D. Fernanda.

Essoutra memória, o José de Sousa 1998, adquiri-a particularmente, numa tardinha de domingo. No mesmo dia, ao almoço, tivemos Tapada do Chaves 2000 branco. Ambos agradaram muito. Como notou a dona da casa, tinham perfume.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Soluço de grande intensidade

SMS recebido:
Estou a ver anúncio a novo vinho da Herdade do Peso. Trinca Bolotas. Grande intensidade aromática, dizem. Gosto do nome.

SMS enviado:
Também gosto do nome. Da grande intensidade aromática nem tanto. De um modo geral a grande intensidade aborrece-me. É coisa para adolescentes e jovenzinhas.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Maridagens sushinesas

Dois vinhos supimpas para acompanhar sushi (nós usamos mais dizer sushinês, que é o misto de comidas de olhos em bico que às vezes compramos): JP rosicler (no caso vertente de ontem, o 2012) e Terra d'Alter Viognier (ibidem, o 2013).

Chin-chin!

Soluço cândido

Certo bom rapazinho de ainda nem 25 anos vinha jantar, maila namorada, ao nosso Cafofo. Perguntou se havia de trazer vinho. Respondi-lhe com a pilhéria do costume:

― É claro que não precisas trazer nada, mas, se quiseres, só não vale repetir o Quinta da Mimosa. Traz Mouchão, por exemplo.

― Teu chão?

Mouchão. É baratinho.

― E onde é que há disso?

― Em todo o lado. Caso não encontres, traz Barca Velha, ou assim.

― Está bem. Mas quantas? E é branco ou é tinto?

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Rosicler

Ando com uma vontade de rosés, que nem lhes digo nada, amigos. Culpa do bom do Malhadinhas cor-de-rosa, que topei há tempos num supermercado fornecido pela distribuidora Garcias (não o encontro em mais nenhures, nem nos Supercor, onde há o branco e o tinto) e me acendeu esta sede nova. A cor muito bonita, com certa feição prometedora de secura; os aromas delicados e vinosos, ao invés de exuberantes e melosos; enfim, os sabores secos prometidos, maila frescura e a formosura apetecidas. Bendito Malhadinhas!

Depois desta aparição, tenho bebido outros rosés muito bons: o Terra d'Alter*, australentejano de Peter Bright; o do Pingo Doce, da Cooperativa de Santo Isidro de Pegões (medalha de prata em Bruxelas!), feito só de Castelão pelo infalível Jaime Quendera; um Ribera del Duero chamado Viñarroyo, 100% Tempranillo, com uma acidez soberba, descoberto no Rubro do Campo Pequeno; o Beyra, outro Tempranillo estreme (curiosamente, usa o nome espanhol da casta, mas acompanhado do português, Tinta Roriz), maravilhoso, ao nível dos brancos da mesma lavra; só para completar o ramalhete rosicler, ajunte-se o JP, malgrado a tampa de rosca e um tantinho de álcool a mais, que o Moscatel Roxo, o carácter bem seco e, já agora, o preço largamente compensam.

Saúde, leitores!

* Prove-se o Terra d'Alter tinto de 2013 quanto antes, novinho como está. «That age is best which is the first, / When youth and blood are warmer». Além de evocar estes versos, fez-me pensar em vinho de talha!

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Bucellas 2011

Os clássicos redimem-nos. (É possível que eu lesse esta frase ao meu mestre das montanhas e neblinas — um mestre indeliberado, ausente e silencioso — Francisco José Viegas.) Os clássicos salvam-nos da presunção, da ignorância, das certezas absolutas. Os clássicos reconduzem-nos ao essencial.

O Bucellas é um velho companheiro de agruras, alegrias e de todas as horas entrecorridas. Bebo-o como um escudeiro sitibundo, «quando tenho vontade, e quando não a tenho, e quando mo dão, para não parecer demasiado cerimonioso ou malcriado». Inesquecível, aquele 2005 cujas alsacianas eu exinani pródiga e apaixonadamente; memorável, o 2013 de que tomei só dois ou três copos com o Onésimo, meu Capitão e mestre mundi, no passado Dia D, quando desembarcou em Bucelas, sem hesitações nem receios estratégicos ante a chuva copiosa.

Os clássicos marcam as nossas vidas. Os mestres também.



Cavipor. DOC Bucelas. Arinto. João Vicêncio (enol.). 12,5% vol. 2,99 € (Intermarché).

Não sei bem dizer a que cheira. Cheira a coisas indecifráveis, a vento e pedras e despedidas. Não é que seja lírico, nem amaneirado, nem exótico. Os aromas de fruta que perduram são citrinos (digamos limão maduro); os melhores aromas de Bucelas ainda despontam. Bebê-lo é que é. A tal pectina, a tal esperteza, a tal espessura. A modéstia, senhores. A tal modéstia.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

O fracote milagre

«Ouvi dizer que ele transformou água em vinho, mas
aquilo era um Periquita mesopotâmico muita fraquinho.»

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Soluço conclusivo

Se as Caves São João são mudas, quer dizer que não conseguem fazer vinhos expressivos.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Soluço otorrinolaringológico

Tem graça que as Caves Velhas ouvem bem, mas as Caves São João parecem surdas que nem calhaus.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Soluço são-joãozinho

As Caves São João é que podiam organizar um seminário de business management, ou wine business, ou que é, subordinado ao tema Como Fidelizar Clientes: Nunca Responder ao Correio desses Cabrões.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Vinho em Pó

A 19.ª Mostra de Vinhos de Marateca e Poceirão resumidamente ilustrada. De salientar o Prémio Este Levava-me ao Alcoolismo 2014, conforme disse uma senhora chique mas chique a valer ao provar o vinho número 2, que eu bem (ou)vi, do Sr. António José da Costa Carreira. Um Castelão puro Monte Carreira. Pois claro.



quarta-feira, 30 de abril de 2014

Continuar

Adeus, Março ferido. Até nunca, Abril oco. Maio é maior, será melhor. Estamos vivos. O vinho continua.


«Todos estamos na vida como os equilibristas, pendentes de um fio, e necessitamos manter um certo equilíbrio com a realidade, com as coisas, com nós mesmos, com o que estamos fazendo, e desejamos esse equilíbrio que, se nos perguntam, dizemos que depende de coisas tremendas: a felicidade, a liberdade, a justiça, coisas, todas elas, muito importantes, mas a verdade é que, dia a dia, em cada momento, esse equilíbrio depende de cada um dos nossos pequenos prazeres, a que nos agarramos e graças aos quais nos mantemos no equilíbrio vital de cada dia. Os pequenos prazeres são pequenos, mas não deixam de ser importantes. Por isso creio que Ortega, embora não se referisse aos prazeres, quando disse que quem não concede valor às pequenas coisas da vida tampouco entende as coisas grandes, é porque também, no fundo, as coisas grandes se decompõem em pequenos prazeres.»

Fernando Savater

quarta-feira, 12 de março de 2014

Xaropes para totós

O leitor por acaso sabe em que endereço de correio electrónico atendem as Caves São João?


«Já as aplicações medicinais das bebidas alcoólicas são muito interessantes — o vinho era utilizado para cauterizações, limpeza de ferimentos e fricções, além de servir na preparação de poções à base de ervas. Para as crianças, uma dose diária de vinho preveniria que urinassem na cama.

O célebre médico João Curvo Semedo (1635-1719), em sua obra Observações médicas doutrinárias de cem casos gravíssimos (...), recomendava a quem quisesse abandonar o “vício da bebice” servir ao beberrão “vinho em que se afogavam duas enguias vivas” ou “vinho em que se misturou um pouco de esterco de homem”. E ainda “recolher o suor dos campanhões (testículos) de um cavalo quando estivesse suado” e servir ao bêbado, que poderia também escolher entre um copo de “vinho tinto em que se deitou uma fatia de pão que estivesse duas horas no sovaco de um agonizante” ou “o vinho que se deitou por meia hora dentro dos sapatos do mesmo bêbado, quando os descalçar, estando ainda quentes”.»

Sergio de Paula Santos, em Memórias de Adega e Cozinha (2007)

sexta-feira, 7 de março de 2014

Adeus, Maestro

Nico Nicolaiewsky, o Maestro Pletskaya do maravilhoso Tangos & Tragédias, um espectáculo que era uma festa de música e riso e que fez quase trinta anos de carreira, morreu há um mês. Soubémo-lo há dois dias. Nessa noite, sentámo-nos com duas Caipirinhas. Ouvimos somente o início do Epitáfio dos Titãs e brindámos à vida e a ele. Paz à sua alma.

Lê-se no Facebook uma historinha luminosa, onde ecoa a voz e a benignidade do Maestro Pletskaya. No final de mais uma representação de Tangos & Tragédias, uma senhora dirigiu-se a ele, ainda no figurino, e disse-lhe que já tinha visto o espectáculo oito vezes (a sortuda; eu só pude ver cinco). Ele, decerto arregalando um sorriso de todo o tamanho, respondeu no seu sotaque inventado da Sbørnia: «E AINDA NON INTENDEU?!»

quarta-feira, 5 de março de 2014

Fredy

Após a derrota com o Benfica, domingo passado (a 11.ª no campeonato; o 13.º jogo em branco), o treinador do Belenenses, Marco Paulo, afirmou que os seus jogadores tiveram «uma grande capacidade de luta e entrega contra, talvez, a melhor equipa do campeonato». O capitão, Fernando Ferreira, declarou: «Esta é uma resposta clara do plantel perante uma equipa muito forte.» O guarda-redes, Matt Jones, disse: «Ficámos tristes, mas a verdade é que este jogo não era do nosso campeonato.»

Faça-se um favor a estas alminhas e piche-se em todas as paredes das áreas reservadas do Estádio do Restelo o axioma de Wittgenstein: «Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo.» Se se achar melhor, substitua-se mundo por futebol. «Os limites da minha linguagem são os limites do meu futebol.» Enquanto persistam no discurso, na postura e na prática dos medíocres, não deixarão de ser medíocres.

Fredy — um rapaz de 24 anos que há 13 representa o Belenenses e que fala em alegria como uma forma de jogar futebol — salvou-nos a face. Expulso no domingo com dois cartões amarelos numa questão de segundos, por protestar com o árbitro (cujo trabalhinho o mister Jesus achou muita bom), retractou-se deste modo: «Perdi a cabeça. Meti-me a jeito. Foi uma criancice da minha parte. (...) O primeiro amarelo foi justo, mas o segundo já não. Apenas disse ao árbitro que ele estava a desrespeitar o clube. E, sejamos francos, foi isso que ele fez.»

Não é a primeira vez que Fredy dá aos seus companheiros um exemplo de galhardia, de honradez e de respeito pela camisola que veste. Depois da primeira mão das meias-finais da última Taça de Portugal, que o Belenenses disputou com o Vitória de Guimarães, ele, sorrindo que nem Matateu, prestou o seguinte esclarecimento: «Esta equipa nunca desiste, acredita sempre. Perdemos por 2-0, temos de ir lá ganhar por 3-0.»

Ergo o meu copo a este espírito: cá vai à saúde, ao êxito e à alegria do Fredy! — um grande jogador do Belenenses.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Fastio mortal

Achado numa parede do Museu do Vinho de Redondo. O autor atribuído é o médico João Curvo Semedo (1635-1719).


«QUE PROVEITOS E DANOS FAZ O VINHO

Bebido em moderada quantidade, conforta o estômago, ajuda os cozimentos, alegra o coração e alenta muito, e regenera com grande brevidade os espíritos exaustados; mas, se se bebe em grande quantidade, destrói as forças, tira a vontade de comer, introduz fastio mortal e desbarata a boa temperança do fígado e do cérebro.»

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

À Pitú

A Caipirinha é o melhor cacharolete — o melhor drinque — o melhor samba (que é outro nome para cachaça) — de um álcool só. Nem só de vinho vive o amador, gente boa.


Tão boa.

«Uma das grandes vantagens de sermos portugueses é termos um clima perfeitamente oposto ao brasileiro. Em boa verdade, é no inverno que nos chegam do Brasil as melhores limas e, como tal, é natural que aliviemos o frio e a falta de luz do sol com umas belas Caipirinhas.
(...)
Para já, há pelo menos duas Caipirinhas. Existe a mais conhecida entre nós — a baiana — que leva gelo picado e é batida (agitada no shaker). Mas a Caipirinha carioca, mais preguiçosa mas não menos deliciosa (sobretudo se a cachaça, das quais há mais de mil de diferentes idades e proveniências, for valente), é quase desconhecida.

Para fazer uma Caipirinha carioca, usa-se meia lima ou uma lima inteira, cortada em quatro ou oito pedaços respectivamente; pisa-se, com um pilão ou um cabo de vassoura, caso não se tenha um maço brasileiro específico para Caipirinhas; amassando-o ligeiramente com açúcar pilé (o melhor de todos é o açúcar brasileiro União, de grânulo muito fino, à beira do icing sugar europeu) e acrescentam-se, num copo old-fashioned, três ou quatro cubos completos de gelo.

Por cima, deita-se a cachaça; dá-se-lhe três ou quatro voltas com uma colherzinha ou um misturador de plástico, para puxar o açúcar — e pronto! Dirão os meus compatriotas que se trata de uma Caipirinha preguiçosa mas, se a lima e a cachaça forem boas, não há melhor.
(...)
Temos hoje em Portugal uma pequena mas digna escolha de cachaças (eu cá prefiro a Velho Barreiro, mas todas as que há são boas; sendo só pena que a clássica Pitú já não se ache em lado nenhum) (...)»

Miguel Esteves Cardoso, em Com os Copos (2007)

Tão voláteis, os amores de Inverno.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Elogio da simpleza

Já deitando o Inverno mais as suas filhinhas intempéries pelos olhos, recolhemos ao nosso São Alentejo para uma cura de vinhos de talha, iguarias de toda a sorte, paisagens bucólicas, bons ares — e sol, muito sol. O Alentejo, como ancião e sábio, benévolo e verdadeiro, é naturalmente pródigo em gentilezas. Todos os dias nos abençoou com céu azul e sol em abundância.

Banhámo-nos dele o mais que pudemos. Enquanto não caísse a noite, peregrinávamos: em Évora, deambulámos vagarosamente pelas ruas, provámos um Riesling de Sousel e tomámos uma chávena de Earl Grey numa livraria; em Portalegre, sentámo-nos na Sé, descemos ao Rossio para ver o plátano e tornámos acima para ir beber o gin e comer o touro; subimos à Serra, respirámos, parámos a ouvir os rebanhos; passámos na Adega Mayor, trouxemos vinho tinto e chocolates; em Vila de Frades, fomos às laranjas e às talhas e ao pão.

Ao fim do dia, rumávamos de volta ao Al-Andaluz. Al-Andaluz, aprendemos, é o nome do antigo território árabe no sul da Península Ibérica, abrangendo o Alentejo, o Algarve e a Andaluzia de hoje. O emirado, devindo califado e depois reino, desapareceu, como todas as coisas à face da Terra. Contudo, um pequeno reduto dessa civilização de antanho subsiste em Reguengos de Monsaraz. O emir — ou califa — ou rei — da Taberna Al-Andaluz chama-se José Manuel Morgado. Chamemos-lhe D. José.

D. José é um amante do toreo, um carácter galhardo e um gastrónomo culto. Recebe com brios e é um matador exímio, um espada triunfal, dos apetites que o procuram. Entremeses, platos, postres — y vinos, por supuesto: D. José desfere uma só estocada, certeira e fatal.

Nós outros, ainda o prândio ia no adro e já estávamos deliciados, graças a um senhor pomadão sugerido por ele, da vizinha Granja de Mourão, com uma redolência maravilhosa de maracujá (era tinto, sim, senhoras e senhores) e um destes corpinhos de fazer parar operações STOP.

Seguidamente, foi um ver se te avias de manjares los más exquisitos. Saboreemo-los de novo e em nuvem:

Torradinhas com azeite bastantes. Grossos cogumelos assados. Ovos com espargos-bravos. Filetes alimados do melhor biqueirão do mundo, nidificado na foz do Guadiana. Saladinha de sangue de porco cozido. Um módico de rodelas de um embutido dito Catalão de Barrancos. Uma açorda — uma perfeição — recendente a poejo e hortelã-da-ribeira, com duas postas da pescada mais branca — «cor da neve recém-caída» — e fresca jamais pescada. Bolo “rançoso” de Reguengos, que de râncio nada tinha. Com ele, uma dose mélea de xerez. Uma fatia de queijo de Serpa, uma colher de doce de abóbora, um raminho virente de poejo. Et cetera, enfim, tudo bem arrematado ora com uma infusão calmante, ora com a ínfima dose de uma aguardente digestiva — lotada por D. José ele mesmo.

Da Vinci ensina: «A simplicidade é a sofisticação suprema». Thoreau insiste: «Simplicidade, simplicidade, simplicidade!» Eu, só sabendo que nada sei, soarei simplesmente sobre os telhados do mundo, por respeito dos mestres e despeito das filhinhas intempéries do Inverno, o meu barbárico — OLÉ!

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Ouro sobre azul

Mais razões para exaltarmos as Caves São João – Sociedade dos Vinhos Irmãos Unidos. As imagens e o texto que se seguem são achados do nosso tesoureiro Belenenses Ilustrado.

 ⁂

Foi por este que se começou a falar em ataque de boca.

«A cerveja sempre foi a bebida preferida de Matateu.
Carlos Silva, um belenense de nascença que foi seu companheiro de equipa, declarou, em A BOLA de 16 de Abril de 1987, que Sebastião Lucas da Fonseca era homem para beber 30 cervejas por dia. Quase um barril!
Nessa entrevista garantiu ainda que o moçambicano estava autorizado a beber uma cervejinha no intervalo dos jogos, na sua qualidade de ídolo.
Enquanto o resto da equipa se contentava com o chazinho do costume. “Era o seu doping”, explicou Carlos.
Essas revelações de Carlos Silva coincidem com os boatos que corriam em Belém sobre a cervejinha do intervalo, mas as pessoas diziam que Matateu a bebia às escondidas do treinador, na casinha privada onde alguém a escondia atrás da sanita.
A dúvida, então, é se Matateu bebia apenas a cerveja permitida ou esta mais uma clandestina...»

Cerveja, nem vê-la.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Frei João 2011 (branco)

Caves São João – Soc. dos Vinhos Irmãos Unidos. DOC Bairrada. Chardonnay, Bical, Maria Gomes. José Carvalheira (enol.). 12,5% vol. 2,59 € (Continente).

Aberto há dias de mais, despediu-se tão famoso como os dedais estreantes. Eis um vinho branco que enaltece o vinho branco. Não tem nada, mas nadinha, de exuberante ou tropical. É citriníssimo, senhores. Um ensaio sobre a frescura. Só não arrepia porque o ronda alegremente uma evocação de frutos secos, se não de bolo de arroz (que, justamente, quando feito a preceito, tem um sublime saborzinho de limão). Experimente tomá-lo — em vez de o beber — com algumas páginas de mestre Rubem Fonseca e uma porção de amêndoas de Vila Flor de Trás-os-Montes. Mas cautela com as amargosas! Arrepiam!

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Porta dos Cavaleiros 2010

Caves São João – Soc. dos Vinhos Irmãos Unidos. DOC Dão. Touriga Nacional, Tinta Roriz, Alfrocheiro. José Carvalheira (enol.). 13% vol. 2,29 € (Pingo Doce).

Isso que é vinho de cabra-macho! Vinho vinoso, dãonairoso, com bons aromas de fruta vinhácea e vegetação beiroa. Um clássico confiável, logo lídimo constituinte do nosso cânone vinário. Tomáramos umas Caves São João em cada esquina deste País das Uvas.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Fontanário de Pegões 2013 (branco)

Coop. Agr. de Santo Isidro de Pegões. DO Palmela. Fernão Pires, Arinto. Jaime Quendera (enol.). 12,5% vol. 1,98 € (Pingo Doce).

O primeiro 2013 que saboreio, e, se não o primeiríssimo, um dos primeiros a chegar às prateleiras. Seja como for, um branco novinho em parra. José António Salvador considera-o um clássico e já se lhe referiu como «o melhor Fernão Pires da actualidade» — convite gentil e irresistível a engraçar com ele (o vinho). Não é um daqueles brancos agudos, como prefiro; mas eu gosto tanto de boas formas como qualquer um. Este é de perfil curvilíneo, com as redondezas naturais de um Fernão Pires tradicional, bem-cheiroso, não apenas a fruta mas a alguma ervinha tenra e vicejante, e fresco quanto baste. Gostei bem. Admitimo-lo ao cânone?


Um verdadeiro entendido — um conhecedor — é assim que descreve a Fernão Pires:

«O carácter mais marcante da casta é, sem dúvida, a natureza e intensidade do seu aroma, podendo-se afirmar que é, entre as castas portuguesas, uma das mais aromáticas. Os seus aromas fazem lembrar frutos cítricos doces, como a laranja, e flores com aromas fortes e quentes, como a mimosa, a tília, a laranjeira e o loureiro. Estas notas aromáticas, parecidas com as de outras castas portuguesas, como a Alvarinho, a Loureiro, a Síria e a Antão Vaz, lembram um pouco os aromas do moscatel, sendo provável que todas elas lhe sejam próximas geneticamente.»

Virgílio Loureiro, no Guia Repsol 2004-2005 – Os Melhores Vinhos de Portugal

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Selecção de Enófilos Palmela Reserva 2006

Enoport. DOC Palmela. Castelão. 13% vol. 3,59 € (Intermarché).

Ao deitá-lo no copo de uma comensal, notei que era transparentezinho. Mais notei que não só cheirava como sabia a After Eight Mint Chocolate Thins. Hostiazinhas de chocolate de menta After Eight. Sim, sim. Oh, coisinha boa.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Sai um Trinarintus!

Há dias, bebericando com desconsolo o Prova Régia de 2012 (o ex-Bucelas, se não já o anti-Bucelas — não desfazendo), lembrou-me este texto do mestre MEC. Piquinho e tudo.


«Enquanto os tintos somam novas glórias, esperanças e curiosidades com cada mês que passa, os brancos tornam-se cada vez mais parecidos uns com os outros; mais adamados; mais frutados; mais parecidos com refrigerantes.

Se calhar é bom para quem gosta de beber fora das refeições e quer uma coisa fresquinha e pouco calórica com saborzinho a uva, a um breve passo do recente desmame de Trinaranjus, com a vantagem de se poder passar, à vista desarmada, por figurante do Sexo e a Cidade.
(...)
O vinho branco tornou-se, entre nós, numa bebida de senhoras; num instrumento dietético; num sumo de uva com piquinho; numa desgraça.»

Miguel Esteves Cardoso, em Com os Copos (2007)

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Calminha com os nabucodonosores

Imagine o leitor que, para 2014, o seu médico de família (esse sábio) lhe prescreve a toma de uma garrafa de vinho por dia ― o regímen de Tommy Cooper e daquele bispo de Sevilha. Ora, o leitor, que é sabido e sedento, pensa: Vou mamar uma magnum* todos os dias, pois não!

Não obstante, se for ainda mais sitibundo, saiba o leitor que, por ordem crescente, pode mamar em alternativa: um jéroboam (equivalente a cerca de 4 garrafas comuns); um roboão (6); um matusalém (8); um salmanasar (12); um baltasar (16); ou um nabucodonosor (entre 18 e 22, frequentemente 20, cerca de 16 litros).

Todas estas palavras (à excepção de jéroboam, que aparece inalterada) são aportuguesadas do francês, referem-se geralmente a champanhe e constam no eminente Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.

Assim munido dos nomes próprios, afira agora, leitor, qual é a verdadeira capacidade da sua sede. A sua tara, digamos. Mas cuide: se conduzir, não beba nabucodonosores.

* O Houaiss regista magnum como substantivo masculino ― de resto, à semelhança dos demais termos aqui referidos. Um meu parente, versado em línguas mortas e de trapos, objecta ― e muitíssimo bem:
Sendo magnum o neutro do adjectivo magnus, magna, magnum, parece correcto dizer «uma garrafa magnum», ou só «uma magnum», uma vez que garrafa é feminino.
Para sermos puristas, deveríamos dizer magna, para concordar com o substantivo, já que em português não há neutro: ou se é “marcolino” ou “firmino”.
De qualquer modo, magnum ou magna, importa é que o conteúdo seja “bão”.