segunda-feira, 14 de maio de 2012

Entrevista com Onésimo Teotónio Almeida. Capítulo I: Um sabor adstringente.

Onésimo é nome de enófilo, dos que sabem as castas e os terroirs?
Não, de modo nenhum. Nem como diletante sequer. Apenas consumidor rasca — que não significa apreciador de carrascão. Aqui em casa o vinho às refeições é obrigatório (fora delas é facultativo). Não cantarolo essa de vinho ser apenas tinto. Com peixe ou marisco e em dia de calor, branco é que é. Mas, em regra, bebo o clássico tinto. Não me dou com o verde, nem com espumantes. Prefiro maduro e seco. Nada de frutados. Aveludados e encorpados sabem-me especialmente. E é isso. Quase esgotei os meus adjectivos e mesmo esses evito usar, sobretudo se o ambiente é pretensioso e os comensais interessados em marcar pontos, algo que se generalizou na última década. Lembro-me de, há um bom par de anos, um recém-encartado (autodidacta) enólogo no papel de anfitrião em jantar oferecido por uma instituição estatal. Presente à mesa estava uma estrangeira lusófona que, por sinal, horas antes me tinha referido o espanto que lhe causavam os conhecimentos vinícolas dos portugueses. Que empregavam termos por ela nunca então ouvidos, como adstringente. Aconselhei-a não se impressionar em demasia porque se tratava apenas de meia-dúzia de qualificativos por todos usados e abusados, qualquer que fosse a marca de vinho servido. Entretanto chegou a garrafa e o senhor armou cena. Cheirou, voltou a cheirar, provou e, com teatral desdém, deu ordem ao empregado para devolvê-la à procedência por aquele vinho não estar em condições. O moço voltou dali a momentos com outra, seguindo-se nova encenação. Depois da repetida aspiração do aroma, o anfitrião provou e declarou peremptório: Este sim! Tem um sabor adstringente. Cruzei olhares com a estrangeira e ela, no seu delicado silêncio, baixou os olhos e sorriu, como a reconhecer ali mesmo a verdade que eu pouco antes lhe confidenciara.
Quanto a cerveja, nada tenho contra. Não implica isso qualquer desprezo por ela. Já tive mesmo momentos na vida em que desejei ardentemente uma bem fresquinha. Todavia a cerveja é, como diz o outro, algo que se aluga. Tão depressa se bebe como… Ah! E também  já passei o tempo das bebidas brancas. Hoje sou fiel ao vinho. Nada de misturas. Nem de abusos, de que nunca gostei. O vinho só entrou no meu quotidiano já aqui nos States, e desde cedo fiz máxima daquela sábia frase de Shakespeare sobre o álcool, no segundo acto da tragédia «Macbeth»: it provokes the desire but it takes away the performance.

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