sexta-feira, 28 de junho de 2013

Transforma-se o amador

Ontem, duas coisas me salvaram. De tarde, os capítulos finais de Época de Acasalamento, de P.G. Wodehouse, foram um bálsamo providencial. (Sobre Wodehouse, Alexandre Soares Silva, autor da tradução portuguesa, muito boa, da Os Livros da Raposa, chancela da Cotovia, escreve no prefácio: «É preciso amar uma pessoa que se vinga de maneira tão caracteristicamente inocente e benigna.»

Confira o leitor se não há de facto um sopro de benignidade nestas linhas:

— Bem, quer saber uma coisa? — disse eu. — Não me importava de experimentar. Seria uma experiência. É uísque, ou clarete ou uma coisa assim, não é?
— Porto. Você pode não gostar.
— Ah, acho que vou gostar.
E, no momento seguinte, eu já estava em posição de dizer que tinha gostado. Era um excelente vinho do Porto velho, encorpado e cheio de aromas, e embora a melhor parte de mim me dissesse que devia ser tomado em golinhos, esvaziei um copo cheio de uma assentada só.
— É bom — disse eu.
— Dizem que este é mesmo excepcional. Mais?
— Obrigado.
— Também vou tomar outro — disse o Esmond Haddock. — Precisamos de muito ânimo nos dias que correm. Conhece a expressão “Estes são os tempos que põem à prova as almas dos homens”?
— Nunca ouvi. Foi você que inventou?
— Não, ouvi algures.
— Muito fixe.
— Até que é bastante. Mais um?
— Obrigado.
— E eu faço-lhe companhia. Posso contar-lhe uma coisa?
— Conte.
Inclinei o ouvido convidativamente. Três cálices do néctar certo tinham-me deixado com um carinho especial por este homem. Não me lembrava de ter alguma vez gostado tanto de um tipo no primeiro encontro, e se ele me queria contar os problemas dele, eu estava preparado para o ouvir com a mesma atenção com que um empregado de bar ouve um freguês velho e estimado.)

Poucas horas depois, um casal amigo passou por cá, apenas para nos trazer uma garrafa de certo vinho de lavra familiar. Advertiram que era visita de médico, mas nós, privilegiando a cura pelo convívio, arrastámo-los para a varanda e sentámo-nos diante do poente, próximos de um tabuleiro de acepipes e uma quadra de copos. Provámos o vinho — um tinto agradável, de bons aromas vinosos, feito não longe daqui, num lugar chamado Pedra Amassada —, respirámos, rimos um tanto. Foi tudo.

Durante o dia, lembrara-me a frase terrífica que ouvi a Enrique Vila-Matas, algo como, citando de memória, que não existe progresso, ou seja, nós nunca aprendemos nada. Porém, enquanto a noite caía, eu perguntava-me se saber viver não será, em certa medida, saber fazer parte: do lugar onde vivemos, do tempo que nos coube, da vida dos outros, daqueles que amamos, daquilo que amamos.

Servi-me outro copo, e continuei a beber.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Ser servido

Hoje, de neurastenia ligeira e músculos tensos, cometi uma extravagância. Estando sozinho, fui escolher uma garrafa de tinto para o almoço. Agachei-me, avaliei as minhas opções e decidi simplesmente beber o vinho que mais me apetecesse, ainda assim deixando de fora alguns poucos intocáveis, admito.

Acabei por abrir um Vinha dos Velhos Grande Escolha 2008, alto-alentejano da Herdade dos Muachos, produto das artes combinadas da Serra de São Mamede e de António Saramago. Um vinho de categoria (com um rótulo de fugir, deve dizer-se).

Foi ambrósia para me custar, há mais de um ano, talvez, uma soma considerável, francamente acima das minhas posses — 2,24 €.

Mas quê, não tenho direito? Ah, um dia não são dias, e eu também sou filho de Deus.

Sirvam-me vinho!

No recital que abriu o 48.º Festival de Sintra, e ao mesmo tempo o Verão, sábado, no Palácio da Vila, a soprano Dora Rodrigues cantou esta romança de Verdi. Nós desejámos voltar para casa, finda a noite, e cear queijadas e vinho.


Brinde

Sirvam-me vinho! Tu só, ó copo,
De entre os prazeres terrenos não és enganador;
Tu, vida dos sentidos, doçura do coração.

Amei; incendiaram-me dois olhares fatais,
Cri na amizade, menina sem asas.
Loucura dos primeiros anos, fantasma ilusório.

O amigo, a amante com o tempo fogem,
Mas tu não temes quem tudo destrói;
A idade não te fere, acresce-te virtude.

Desflorescido Abril, caídas as rosas,
Tu és quem nos ameniza os cuidados maçadores,
És tu quem nos devolve a alegria perdida.

Quem melhor sara as feridas do coração?
Se te não nos desse a próvida vide,
Seria imortal o sofrimento humano.

Sirvam-me vinho! Tu só, ó copo,
De entre os prazeres terrenos não és enganador;
Tu, vida dos sentidos, doçura do coração!

Andrea Maffei

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Adega de Pegões Colheita Seleccionada 2012


Coop. Agr. de Santo Isidro de Pegões. Regional Península de Setúbal. Arinto, Verdelho, Chardonnay, Antão Vaz. Jaime Quendera (enol.). 13% vol. 2,90 € (Jumbo).

Cheira bem como o carvalho, como a fruta que o pariu. Prefiro-o à mesa, mas faz um brilharete onde for.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Soluço em seco

Pasteur terá dito: Há mais filosofia numa garrafa de vinho do que em todos os livros. O taberneiro objectou: Só se for aquelas garrafas de livro e meio.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Vinhos de vinha

É bom ler o Jefford. Graças à sua crónica de 20 de Maio, descobri um casal americano que vive e produz vinho no alto de uma serra na Califórnia, na região do Vale de Napa.

Ela, Carole Meredith, é uma antiga professora do Departamento de Viticultura e Enologia da UC Davis, Universidade da Califórnia. Ele, Steve Lagier, é um vinicultor experiente, produtor de “vinhos de garagem” e, durante catorze anos, empregado na célebre Robert Mondavi, espécie de sinédoque para todo o Napa Valley.

Plantaram eles mesmos a sua pequena vinha, na zona montanhosa de Mount Veeder. Como dizem na introdução do seu sítio na Internet, não têm empregados, nem consultores, nem parceiros, nem investidores. Quando começaram, tinham somente os seus ordenados «e a determinação para trabalhar arduamente e viver gastando pouco.»

Cultivam Syrah, Mondeuse, Malbec e Zinfandel, todas variedades tintas. A vinificação é elementar. A fruta é escolhida na vinha, depois desengaçada e esmagada. Fermentado o mosto, não há lugar a mais maceração. O vinho é prensado e deposto em barris usados de carvalho francês (compram-nos três vezes usados e continuam a usá-los «até se começarem a desmantelar»), onde passa de dezoito a vinte meses. Nesse tempo, trasfegam-no duas vezes. Por fim, colam o vinho com claras de ovo (a colagem é um método de clarificação por acção de uma dada substância, aqui as claras de ovo, que faz sedimentar e precipitar as partículas em suspensão), trasfegam-no mais uma vez e engarrafam.

O que mais comove no caso de Carole e Steve é justamente uma certa visão do mundo, da vida, do vinho — clara, natural, simples, ou seja, essencial. Por isso se apresentam assim, sem tergiversações: «Estes são vinhos de vinha. A nossa responsabilidade é salvaguardar o vinho durante a sua passagem da vinha à garrafa e protegê-lo de demasiada enologia.»

Havemos de ir à Califórnia.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Velázquez

Faz hoje anos que nasceu Diego Rodrigues da Silva y Velázquez (1599-1660). Não se estranhe os nomes portugueses: o pintor, nascido em Sevilha, era filho de um portuense.

É pois nosso dever, como ibéricos, brindarmos esta noite ao grão Velázquez. Com um grão cálice de porto, evidentemente.

Los borrachos, o El triunfo de Baco

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Soluço cervejeiro

Pasteur terá dito: Há mais filosofia numa garrafa de vinho do que em todos os livros. O taberneiro acudiu: Senhor doutor, mais uma cervejinha?

sábado, 1 de junho de 2013

Novas notas amadoras

E agora, algo completamente diferente.


Dona Ermelinda 2010

Casa Ermelinda Freitas. DO Palmela. Castelão, Cabernet Sauvignon, Touriga Nacional. Jaime Quendera (enol.). 14% vol. Cerca de 3 € (Pingo Doce).

Transporta balidos distantes, caracteres genuínos, vibrações suaves. Palmela leal.