sexta-feira, 24 de maio de 2013

Entrevista com Francisco José Viegas

Nos vinhos, quais são os seus clássicos? Tem uma reserva de imprescindíveis?
Confesso que a resposta é negativa em relação a ambas as perguntas... Ou seja: não tenho uma reserva de vinhos imbatíveis. Depende muito da estação do ano, da meteorologia, da comida, daquilo que se vai fazer a seguir, daquilo que se fez antes. Um vinho não se bebe num laboratório, como se todo o bebedor fosse um provador e um detector organoléptico... De modo que há vinhos que são eternos porque apelam a uma memória, a um sentido da vida, a uma esperança no destino – não exagero. Eu nasci na aldeia onde se produziu o primeiro Barca Velha, o que me deixa sempre comovido. O Quinta da Leda de outrora era mesmo ao lado. O novíssimo Meandro e o Vale Meão, naturalmente. Fazem parte da minha geografia, da forma como se olha o rio, da maneira como recordo as idas do meu avô à Quinta do Vale Meão e eu o acompanhava (ele era operário, e fazia consertos na canalização da quinta...). O Quinta da Leda de 2009 é um bom exemplo de grande vinho, tal como o Robustus Niepoort ou o Poeira. À parte isso, há vinhos como o Valle Pradinhos, por exemplo, que evocam também uma parte da minha infância em casa dos avós maternos, perto de Bragança... De resto, apaixonam-me os novos brancos e rosés do Douro, que provam e sustentam a capacidade inventiva dos criadores da região. E às vezes tenho saudades de vinhos que já não existem, como o Grantom dos anos setenta... Ou do Evel branco de 2000, uma pérola que não se repete.

Tomemos o arroz de bacalhau de Jaime Ramos. Ramiro levou uma garrafa de vinho, não sabemos qual, para o jantar com o inspector. Aquele prato não tem o seu vinho perfeito?
Tem. Eles bebem Valle Pradinhos branco. Uma recordação de adolescência tardia, um sabor único, um aroma frágil.

Enochateia-se facilmente? Quantos descritores aromáticos parvos são precisos para irritar um duriense?
Irrito-me, sim. Os enochatos são uma categoria de gente aborrecida, capazes de destruir um vinho só com uma frase. A verdade é que se trata de uma forma de estar na vida, e eles dependem largamente da sua capacidade de alardear conhecimentos a propósito e despropósito. É como se vivessem num laboratório e numa “lista dos vinte mais”... Ora, que eu saiba, o comportamento de um vinho depende muito da companhia para jantar, das conversas à mesa, da comida, da paisagem, do apetite. Não acredito em características imutáveis de um vinho e suponho, mesmo, que um vinho perde qualidades quando é bebido com pessoas aborrecidas. A ideia de que um vinho sabe a madeiras velhas, ou a amoras silvestres, ou a cera de eucalipto ou a terebintina, é-me razoavelmente duvidosa. Um vinho é a sua paisagem, a sua poeira, a sua memória, o prazer que nos concede.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Espiral de dívida

Nem sei muito bem como exprimir esta pura alegria: homens que admiro — a quem estou penhorado pelo simples benefício da sua actividade, da sua erudição, do seu génio, do seu humor, da sua sensatez — consentirem em gastar algum tempo para responder a perguntas que lhes remeto. Posso dizer, sem exagero, que cada frase em retorno vale Barca Velha.

Nos livros aprende-se a viver. De resto, além do amor e da viagem, eles são a única coisa que prolonga as nossas vidas. O leitor sabe. Só por isso, devemos toda a gratidão do mundo aos nossos autores.

As “entrevistas frugais” regressam depois de amanhã, com Francisco José Viegas. Sou seu leitor, era fatal: perdi-me numa espiral de dívida.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Outro tweet pasteurizado

Pasteur terá dito: Há mais livros numa garrafa de filosofia do que em todò vinho.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Tweet pasteurizado

Pasteur terá dito: Há mais filosofia numa garrafa de vinho do que em todos os livros. Hic.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Vinhas Altas Reserva 2004

CAVIPOR, Caves Monteiros, Vinícola de Penafiel. Regional Minho. Sousão. Osvaldo Amado (enol.) (?). 12,5% vol. 2,99 € (Intermarché).
Patê, rosmaninho, fumo. Grande frescura. Um carácter raro.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Outro tweet taberneiro

Pasteur terá dito: Há mais filosofia numa garrafa de vinho do que em todos os livros. Resposta do taberneiro: O senhor doutor hoje não bebe mais Nietzsche.

sábado, 11 de maio de 2013

Tweet taberneiro

Pasteur terá dito: Há mais filosofia numa garrafa de vinho do que em todos os livros. Foi quando o taberneiro concluiu que eram horas de fechar a biblioteca.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

As serras

Vinha de Tormes

«Mas o que sobretudo a cativou foi o tremendo apetite de Jacinto, a entusiasmada convicção com que ele, acumulando no prato montes de cabidela, depois altas serras de arroz de forno, depois bifes de numerosa cebolada, exaltava a nossa cozinha, jurava nunca ter provado nada tão sublime. Ela resplandecia:

― Até faz gosto, até faz gosto!… Ora mais uma destas batatinhas recheadas…

― Com certeza, minha senhora! até duas! As minhas rações, em mesas destas, tão perfeitas, são sempre as de Gargântua.

― Não cites Rabelais, que a tia Vicência não conhece os autores profanos! exclamava eu, também radiante. E prova esse vinho branco cá da nossa lavra, e louva Deus que amadurece tal uva.»

Eça de Queiroz, em A Cidade e as Serras (1901)