Hero do Castanheiro. DOC Palmela. Castelão. 14,2% Vol. 3,99 €.
Vermelho-escuro. A princípio, um odor forte e adocicado, que, não sendo desagradável, chega a lembrar algo parecido com estrume… Depois, primorosamente casado com o carvalho, um vivo aroma de fruta vermelha em compota, que, abrindo, se torna mais fresco e mais fino. Vibrante na boca, com muito sabor e cauda longa. Realmente, um belo vinho.
sexta-feira, 27 de abril de 2012
terça-feira, 24 de abril de 2012
Porto, para os acalmar
«O cónego Dias, pousando o talher, ergueu os braços, e com uma solenidade cómica exclamou:
— Hereticus est! É herege!
— Hereticus est! também eu digo, rosnou o padre Amaro.
Mas a Gertrudes entrava com a larga travessa do arroz-doce.
— Não falemos nessas coisas, não falemos nessas coisas, disse logo prudentemente o abade. Vamos ao arrozinho. Gertrudes, dá cá a garrafinha do Porto!
Natário, debruçado sobre a mesa, ainda arremessava argumentos a Amaro:
— Absolver é exercer a graça. A graça só é atributo de Deus: em nenhum autor encontra que a graça seja transmissível. Logo...
— Ponho duas objecções... gritou Amaro com o dedo em riste, em atitude de polémica.
— Oh, filhos! oh, filhos! acudiu o bom abade aflito. Deixem a sabatina, que até nem lhes sabe o arrozinho!
Serviu o vinho do Porto, para os acalmar, enchendo os copos devagar, com as precauções clássicas:
— Mil oitocentos e quinze! dizia. Disto não se bebe todos os dias.
Para o saborear, depois de o fazer reluzir à luz na transparência dos copos, repoltreavam-se nas velhas cadeiras de couro; começaram as saúdes! A primeira foi ao abade, que murmurava: — Muita honra... muita honra... Tinha os olhos chorosos de satisfação.»
Eça de Queiroz, em «O Crime do Padre Amaro»
— Hereticus est! É herege!
— Hereticus est! também eu digo, rosnou o padre Amaro.
Mas a Gertrudes entrava com a larga travessa do arroz-doce.
— Não falemos nessas coisas, não falemos nessas coisas, disse logo prudentemente o abade. Vamos ao arrozinho. Gertrudes, dá cá a garrafinha do Porto!
Natário, debruçado sobre a mesa, ainda arremessava argumentos a Amaro:
— Absolver é exercer a graça. A graça só é atributo de Deus: em nenhum autor encontra que a graça seja transmissível. Logo...
— Ponho duas objecções... gritou Amaro com o dedo em riste, em atitude de polémica.
— Oh, filhos! oh, filhos! acudiu o bom abade aflito. Deixem a sabatina, que até nem lhes sabe o arrozinho!
Serviu o vinho do Porto, para os acalmar, enchendo os copos devagar, com as precauções clássicas:
— Mil oitocentos e quinze! dizia. Disto não se bebe todos os dias.
Para o saborear, depois de o fazer reluzir à luz na transparência dos copos, repoltreavam-se nas velhas cadeiras de couro; começaram as saúdes! A primeira foi ao abade, que murmurava: — Muita honra... muita honra... Tinha os olhos chorosos de satisfação.»
Eça de Queiroz, em «O Crime do Padre Amaro»
quarta-feira, 18 de abril de 2012
As relíquias
Sábado à tarde, neurose ligeira. No entanto, o projecto de fazer arroz-doce.
É senso comum que o arroz-doce reclama um Tawny decente. (Isso, um homem com a telha e Você a fazer piadinhas. «Tawny Carreira»… Francamente.)
Como de ordinário, vamos às compras de vitualhas. Não vejo nem Porto santo, nem Porto alegre. Acode-me à lembrança o supermercado na vila, onde é raro irmos.
Então aí, que foi que eu pilhei? Duas relíquias portuguesas. JP Garrafeira 1989. Menos de 5 €. Prova Régia 2000. Menos de 4.
Não dei com um Porto seguro. Mas é que já a neurose, deliquescida, me não ralou.
O pequeno, suave milagre.
É senso comum que o arroz-doce reclama um Tawny decente. (Isso, um homem com a telha e Você a fazer piadinhas. «Tawny Carreira»… Francamente.)
Como de ordinário, vamos às compras de vitualhas. Não vejo nem Porto santo, nem Porto alegre. Acode-me à lembrança o supermercado na vila, onde é raro irmos.
Então aí, que foi que eu pilhei? Duas relíquias portuguesas. JP Garrafeira 1989. Menos de 5 €. Prova Régia 2000. Menos de 4.
Portuguese relics with citrus and morning sunshine |
Não dei com um Porto seguro. Mas é que já a neurose, deliquescida, me não ralou.
O pequeno, suave milagre.
sexta-feira, 13 de abril de 2012
Bebamos!
«— Meus senhores, proponho que saudemos o aniversário de Carlos — bradou, em tom de brinde.
— Apoiado — responderam todos, imitando-o.
— Carlos — continuou o primeiro — bebo aos teus vinte anos! Contes pelos trezentos e sessenta e cinco dias, que se vão seguir ao de hoje, as paixões que fizeres nascer; e possas tu…
— Não se admitem longos speeches; olá! Bebamos! — disse uma voz.
— É sempre mais expressivo o gole que entra, do que a frase que sai — acrescentou outra.
— Até porque, devendo sempre dar-se a primazia ao mais sábio, é o vinho que a merece; pois é ele, neste momento, o que mais sabe.
— Ora faze-nos o favor de nos poupar, ao menos agora, à difícil digestão dos teus calembours.
— Então? Bebamos! — insistiu o coro.
E o brinde foi geral.»
Júlio Dinis, em «Uma Família Inglesa»
— Apoiado — responderam todos, imitando-o.
— Carlos — continuou o primeiro — bebo aos teus vinte anos! Contes pelos trezentos e sessenta e cinco dias, que se vão seguir ao de hoje, as paixões que fizeres nascer; e possas tu…
— Não se admitem longos speeches; olá! Bebamos! — disse uma voz.
— É sempre mais expressivo o gole que entra, do que a frase que sai — acrescentou outra.
— Até porque, devendo sempre dar-se a primazia ao mais sábio, é o vinho que a merece; pois é ele, neste momento, o que mais sabe.
— Ora faze-nos o favor de nos poupar, ao menos agora, à difícil digestão dos teus calembours.
— Então? Bebamos! — insistiu o coro.
E o brinde foi geral.»
Júlio Dinis, em «Uma Família Inglesa»
terça-feira, 10 de abril de 2012
Monte Mayor 2010 (Rosê)
Adega Mayor. Regional Alentejano. Aragonez, Castelão. 13% Vol. Oferta do produtor.
Cor clara, entre vermelho e rosa. Mais expressivo na boca do que no nariz, tem aroma de cássis e sabor de caramelo, framboesa, e caramelo de framboesa. Agradavelmente seco, bem feito, com uma rica acidez.
Cor clara, entre vermelho e rosa. Mais expressivo na boca do que no nariz, tem aroma de cássis e sabor de caramelo, framboesa, e caramelo de framboesa. Agradavelmente seco, bem feito, com uma rica acidez.
sexta-feira, 6 de abril de 2012
Jovem senhora de idade
O Jogo da Bola, como é conhecida a airosa praça central da Ericeira, tem dois renques de plátanos centenários. São dezoito, ao todo. Desde que o Mundo se não acabe entretanto, devemos visitá-los e saudá-los repetidas vezes em 2013. Completarão 110 anos, votados à abnegada função de prover oxigénio à atmosfera, refúgio às aves e sombra aos veraneantes.
Estes plátanos vetustos, comparados com o grandioso espécime do Rossio de Portalegre, não passam de uns rapazes entradotes. Aquela soberba árvore, cuja copa rondará 35 metros de diâmetro, foi plantada em 1838. Camilo não tinha mais que 13 anos, e outros sete andariam antes de nascer o Eça.
Posta em sossego a pouca distância, a Tapada do Chaves, embora muito mais jovem, também é senhora de provecta idade.
Placidamente estirada numa encosta da Serra de São Mamede, a contemplar a paisagem bucólica, não pode deixar de notar que, nos anos deste século, os caminhos se afastaram. De raro em raro, lá passa fora um ou outro automóvel transviado.
Se algum entra a propriedade do Frangoneiro, a prestar visita à senhora, ela não se altera nem se espanta. Ao invés, com modos dignos e serenos, chama de volta o enorme cão pachorrento, que sai a ver quem chega. Um belo animal, igualmente entrado na velhice, com um porte de respeito, o olhar doce e melancólico. Obedece de pronto à voz firme e, desinteressado, retorna ao chão e à modorra o corpanzil.
A senhora, então, fazendo as honras, apresenta os seus domínios. Mostra a vinha mais antiga. Oitenta e tal anos, já não sabe precisar. Na casa onde moraram os Baptista Fino, conta como, em 1998, quatro anos após se ter construído uma linda adega, a família vendeu tudo aquilo ao grupo da Murganheira. Depois passou-se um mau bocado, com o imbróglio em que se achou a Sociedade Lusa de Negócios. Uma macacoa que, por pouco, levava desta pra melhor a senhora.
Agora, convalescida, no seio de um Interior abatido, observa que o fulgor dos tempos áureos pouco alumia o Futuro. Do alto posto da idade, olha-se ao redor com prudente cepticismo.
Mas então. Lá o que se há-de fazer é persistir em fabricar o bom vinho do Alto Alentejo. Ora coma você este queijo, esse enchido, uma côdea de pão, e prove cá o branco novo e os tintos «Reserva». Quanto ao mais, cavalheiro, é vento que passa sobre os plátanos.
(A propósito da Tapada do Chaves, deve ler-se um texto de Pedro Garcias, publicado há tempo no «Fugas». Aliás, este redactor lê-se sempre com proveito. Escreve sobre o vinho como poucos, num estilo desenvolto, elegante e sensato. Confira.)
Estes plátanos vetustos, comparados com o grandioso espécime do Rossio de Portalegre, não passam de uns rapazes entradotes. Aquela soberba árvore, cuja copa rondará 35 metros de diâmetro, foi plantada em 1838. Camilo não tinha mais que 13 anos, e outros sete andariam antes de nascer o Eça.
O plátano de Portalegre |
Posta em sossego a pouca distância, a Tapada do Chaves, embora muito mais jovem, também é senhora de provecta idade.
Placidamente estirada numa encosta da Serra de São Mamede, a contemplar a paisagem bucólica, não pode deixar de notar que, nos anos deste século, os caminhos se afastaram. De raro em raro, lá passa fora um ou outro automóvel transviado.
Se algum entra a propriedade do Frangoneiro, a prestar visita à senhora, ela não se altera nem se espanta. Ao invés, com modos dignos e serenos, chama de volta o enorme cão pachorrento, que sai a ver quem chega. Um belo animal, igualmente entrado na velhice, com um porte de respeito, o olhar doce e melancólico. Obedece de pronto à voz firme e, desinteressado, retorna ao chão e à modorra o corpanzil.
Aspecto da Tapada do Chaves |
A senhora, então, fazendo as honras, apresenta os seus domínios. Mostra a vinha mais antiga. Oitenta e tal anos, já não sabe precisar. Na casa onde moraram os Baptista Fino, conta como, em 1998, quatro anos após se ter construído uma linda adega, a família vendeu tudo aquilo ao grupo da Murganheira. Depois passou-se um mau bocado, com o imbróglio em que se achou a Sociedade Lusa de Negócios. Uma macacoa que, por pouco, levava desta pra melhor a senhora.
Agora, convalescida, no seio de um Interior abatido, observa que o fulgor dos tempos áureos pouco alumia o Futuro. Do alto posto da idade, olha-se ao redor com prudente cepticismo.
Mas então. Lá o que se há-de fazer é persistir em fabricar o bom vinho do Alto Alentejo. Ora coma você este queijo, esse enchido, uma côdea de pão, e prove cá o branco novo e os tintos «Reserva». Quanto ao mais, cavalheiro, é vento que passa sobre os plátanos.
(A propósito da Tapada do Chaves, deve ler-se um texto de Pedro Garcias, publicado há tempo no «Fugas». Aliás, este redactor lê-se sempre com proveito. Escreve sobre o vinho como poucos, num estilo desenvolto, elegante e sensato. Confira.)
terça-feira, 3 de abril de 2012
Sobre o Arinto derramado
Como sucede com livros e filmes, faço por não repetir vinhos. Se almejo a conhecer deles o maior número possível, e tão bons e variegados quanto os haja, é meu dever e meu escrúpulo só deitar mão às garrafas nunca dantes esvaziadas. Não terei tempo de provar muitas centenas de vinhos canónicos, os de antanho como os vindouros. Eis justamente porque é mister empregar cada moeda do erário vínico nesses que não bebi, e dar corpo ao meu próprio cânone.
Oh, mas as Circes e as sereias que a cada passo se insinuam! Sibilino apelo sussurrante de certas vasilhas d’Alsácia! Sabe Deus quantas verti daquele glorioso Bucellas 2005, ao cabo de apurado quatro anos…
O caso é que o meu enlevo hoje, embora outro, escorre de outra alsaciana, e tem outros quatro anos de apurado. Daqui a poucas garrafas, míseras 18, hei-de chorar um rio sobre o Arinto derramado. É o tal da Quinta de Chocapalha, que não verga o formoso nervo nem diante um risoto de grelos com Roquefort. Com Roquefort, senhores!
A cada novo copo deste branco, e vão dúzias, sinto-me um Jacinto a descobrir a fava autêntica.
Deste, nem em Bucelas, leitor amigo!
Oh, mas as Circes e as sereias que a cada passo se insinuam! Sibilino apelo sussurrante de certas vasilhas d’Alsácia! Sabe Deus quantas verti daquele glorioso Bucellas 2005, ao cabo de apurado quatro anos…
O caso é que o meu enlevo hoje, embora outro, escorre de outra alsaciana, e tem outros quatro anos de apurado. Daqui a poucas garrafas, míseras 18, hei-de chorar um rio sobre o Arinto derramado. É o tal da Quinta de Chocapalha, que não verga o formoso nervo nem diante um risoto de grelos com Roquefort. Com Roquefort, senhores!
Arinto com taça de grelos, livros e lunetas |
A cada novo copo deste branco, e vão dúzias, sinto-me um Jacinto a descobrir a fava autêntica.
«(…) Que desconsolo! Jacinto, em Paris, sempre abominara favas!… Tentou todavia uma garfada tímida — e de novo aqueles seus olhos, que o pessimismo enevoara, luziram, procurando os meus. Outra larga garfada, concentrada, com uma lentidão de frade que se regala. Depois um brado:Nunca por nunca abominei o Arinto. Que disparate. Mas quando embebo o Chocapalha, dou em bradar (entre mim) como o Príncipe de Tormes: — Óptimo!… Ah, deste Arinto, sim! Oh, que Arinto! Que delícia!
— Óptimo!… Ah, destas favas, sim! Oh que fava! Que delícia!
E por esta santa gula louvava a serra, a arte perfeita das mulheres palreiras que em baixo remexiam as panelas, o Melchior que presidia ao bródio…
— Deste arroz com fava nem em Paris, Melchior amigo!»
Deste, nem em Bucelas, leitor amigo!