Um velho reclame |
A especial dificuldade em descrever os aromas de um Colares com dezasseis anos levou-me, de novo, a questionar a valia de uma nota de prova. Em que medida podemos confiar nos próprios sentidos? — no rigor das impressões? — na precisão da memória olfactiva?
Ressalvemos desde logo que o tema é sério (pela simples razão de que a crítica do vinho, mais ou menos influente, não deixa de ser a crítica do produtor), mas não se trata propriamente de um assunto de Estado, nem de ciência de foguetões. Usemos de alguma candura.
Em geral, gosto pouco de ler as notas de prova dos outros: são mal escritas, papagueadas, delirantes — e não despertam outro apetite senão de tisanas calmantes. Bem entendido, não quer dizer que as minhas sejam menos más. Longe disso. Todas são falíveis; simplesmente, umas são mais tragáveis do que outras.
Repare-se como, de uma penada airosa e clara, Ferreira Lapa caracterizava o Colares, em 1867: — «(…) os vinhos de Colares são intermediários aos vinhos maduros e aos vinhos verdes, possuindo daqueles a suavidade e o grato paladar, e destes a frescura, a viveza e o aroma aldeídico e tartaroso.»
Em 2009, no «Público», Miguel Esteves Cardoso, sabiamente repimpado na santa vizinhança da Adega Regional, escrevia sobre o seu Colares:
«Numa época em que tudo tem de saber a frutas tropicais, chocolate, baunilha, compotas e mijo de gato, os vinhos de Colares, sejam os tintos Ramisco ou os brancos Malvasia, estão entre os poucos que sabem… a vinho.Nós, tão falhos em Ciência como em Arte, resta-nos o comezinho recurso dos descritores aromáticos: são as tintas prosaicas e fracas com que tentamos pintar uma ideia do vinho: uma vez por outra, é muito natural que saia borrada.
São raridades artesanais, blá blá blá, mas o que interessa é que são, de facto, uma delícia. Então o Colarinho branco (…) é uma frescura sequinha, extorquida à areia e ao vento e ao mar, como não há outra neste mundo.»
(Não perca, na próxima publicação, a nota de prova do tal Colares. Verá como eu, conturbado mas digno, resisto à tentação de apontar entre os aromas do vinho — o almíscar e o sândalo.)
4 comentários:
Aguardo para ler a nota de prova!
Não tardará!
Obrigado pela visita, Ricardo.
Gosto de pessoas com duvidas! Abençoado ser humano que não se esforça para parecer uma máquina!
Abraço
HM
Tem muita razão: um prudente só sabe que nada sabe.
Obrigado por ir passando, Hugo.
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