quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Uma questão de tempo

Ao fundo, a adega

O tempo foge. Como é possível que passasse outro Natal, e outro Ano Novo, e outro Janeiro? Ainda há tão pouco éramos novos. Não sabíamos o que eram cãs, nem dívidas, nem mortos. O Mundo girava mansamente, com o fim único de presenciar a nossa glória. Nós não falharíamos: havia tempo para tudo — e tudo é uma questão de tempo.
Entretanto, correm os dias. O leitor sabe como são velozes os dias que correm, indiferentes a angústias e fadigas. Infindos afazeres, obrigações, cuidados, e Internet a perder de vista, e navegar é preciso. Quando se dá conta, não há tempo para nada.
Admiravelmente alheia a este aspecto de corrida contra o tempo, que a vida sempre parece adquirir, a adega do Mouchão, toda serenidade, método, harmonia, afigura-se-me a mais amável de quantas tenho conhecido.

Adega do Mouchão

Na propriedade dos Reynolds, família de origem escocesa, a celebrada fleuma britânica é sinónimo de grande paciência, de falta de pressa — de vagar. Quanto a indiferença, se alguma, só, precisamente, pelo ar do tempo. «Não tencionamos mudar.» Eis a voz corrente, e uma afirmação que não deslustraria como insígnia; mas a casa é bem servida, também nesse particular: — «VINUM SANGUIS VITAE». O vinho é o sangue da vida.
Para esquentar o meu, quem dera agora o calor que fazia quando atravessei a Vinha dos Carapetos, berço provável da Alicante Bouschet em Portugal. A casta é a base de todos os tintos do Mouchão. São vinhos de um carácter extraordinário, retintos, ricos, longevos, como é exemplo o notável 1990 que me foi dado provar.

O sangue da vida

Nesse ano, leitor, ainda a bendita adega não tinha electricidade. Chegou em 91, mas tudo permanece capaz de laborar sem ela. É que o vinho é ali feito hoje como há cem anos; e é regra no Mouchão não haver mais novidades do que duas por século. Afinal de contas, é preciso dar tempo ao tempo.
Ainda vai ser um longo Inverno. Então não vai...

2 comentários:

Serge disse...

Irmão,

Estas tuas reviews são um deleite de se ler. Principalmente nesta altura em que quase não leio mais nada sem ser relacionado com certos e determinados assuntos derivados da questão.

Uma gabardina.

Sérgio

João Inácio de Paiva disse...

Obrigado, rapaz. Já ganhei o dia.