terça-feira, 14 de junho de 2011

Regressar a Fernando Pó

Nos nossos dias, dominados pela Economia e pelo Mercado, encontrar um vinicultor que persiste em fabricar vinhos guiado pelo seu próprio gosto, pouco importado em saber como param as modas ou se algum vizinho ou freguês desdenha do seu obsoleto branco, chamando-o de «amarelão», é uma sorte de regalar a alma. A última vez que me avistei com um tal homem foi uma manhã nublosa de domingo, quando regressei a Fernando Pó.
O Sr. António José da Costa Carreira saiu a porta a que chamámos já oferecendo um aperto de mão; acto contínuo, encaminhou-nos para a adega. Respondeu com parcimónia às minhas perguntas. Em poucos minutos, estávamos aviados: 10 litros de «Fernão Pirão», 11 euros.
Conformados a ir à nossa vida, o Sr. António, num tom franco, interpelou-nos familiarmente: ― «Querem provar alguma pinga?» Pois não havíamos de querer! Desapareceu por um instante; quando voltou, trazia dois grossos copos de vidro um tanto baço, que acabara de enxaguar e vinha ainda esfregando com os dedos. Provámos as «pingas» de Castelão que ia extraindo das cubas, variadas no grau alcoólico e no pertencente designativo técnico: água-pé, «Fórmula 1», «supersónico». Conversámos um bom bocado, até serem horas de almoço: depois despedimo-nos, consolados e agradecidos, comprometendo-nos a voltar pelos vinhos de beber do Monte Carreira.

Tarde em Fernando Pó
Tornámos à estrada. Do outro lado da linha férrea, tomando a direcção de Poceirão, logo enfiámos para uma mata, fronteira a um vinhedo. Virámos para ele o carro e aí comemos a bucha ― ao mesmo tempo desembuchando com dois valentes copos de «amarelão». Esticámos as pernas, respirámos; e, tendo visto que o Casal Freitas era ao lado, tocámos para lá.
O próprio José Bento da Silva Freitas apareceu para nos atender. O velho senhor, ouvindo mal, foi parco em palavras: compreensivelmente, não estava na disposição de fazer sala a forasteiros. Foi o tempo de lhe comprarmos o excelente tinto que eu conhecera na Mostra, o Casal Freitas 2008, e de sabermos que o obreiro destes vinhos também é Jaime Quendera. Seguimos caminho.
Avançando de novo para o apeadeiro de Fernando Pó, parámos junto ao portão aberto da Freitas & Palhoça. Era o adegueiro Marcolino Cardoso quem estava. Sem hesitar, conversador e simpático, levou-nos a ver a adega, deu-nos a provar algum vinho, fez explicações; teve mesmo a gentileza de nos ofertar uma garrafa. Tomaram muitos proprietários ser tão capazes para o negócio: mais importante do que um enoturismo organizado é uma pouca de boa hospitalidade ― e até fica mais em conta.
Longe da Economia, do Mercado, da Crítica e de outras feras, Portugal vive. É preciso regressar a Fernando Pó.

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