terça-feira, 17 de maio de 2011

We will always have Bucelas

A Enoteca das Caves Velhas é uma loja de vinhos muito especial. Em bom rigor, o lugar já não se chama «Enoteca», já não é uma «loja de vinhos», e as Caves Velhas fazem agora parte do Grupo Enoport ― que, desde o ano passado, se apresenta como «Enoport United Wines». Por sua vez, a «Enoteca» foi mudada em «Enopoint» e a «loja de vinhos» passou a «wine shop». Eu, como não aprecio frequentar «wine shops» (e também acho que «Enojoint» é que era um nome chamativo), continuarei a chamar «Enoteca» àquela esplêndida loja de vinhos. De mais a mais, nunca um sisudo, como eu aspiro a ser, podia deitar-se a escrever: ― «O Enopoint da Enoport United Wines é uma wine shop muito especial.» Sainete, sim, mas com moderação. Avancemos para o que interessa.
Visitar a Enoteca é para mim sempre um prazer. As suas prateleiras acolhem muitos vinhos excepcionais que o Mercado despreza ou desconhece. As mais recentes colheitas do diverso catálogo do grupo coabitam com velhas garrafas de rótulos desfeitos, antiquados ou tão-só preteridos por não serem já suficientemente novos.
Para além dos vinhos velhos, a Enoteca tem outros encantos particulares, como um retrato de Sir Winston Churchill com uma caixa das Adegas Camillo Alves e, possivelmente, as poltronas mais confortáveis onde eu tenho repousado os ossos. Ainda por cima, está instalada no seio de uma das regiões vitícolas mais estimáveis que tem Portugal: a vetusta Bucelas, que agora celebra 100 anos como região demarcada.
Na passada quarta-feira, fui até lá. Eram apresentadas as últimas colheitas do Bucellas e dos tintos Topázio e Quinta do Boição Special Selection Old Vineyards (sim, sim, leitores). Desgraçadamente, comparecemos somente três gatos-pingados ― e nem por isso os nossos anfitriões foram menos diligentes ou atenciosos para connosco. Aliás, depois de conhecer o enólogo João Vicêncio, autor dos vinhos em apreço (com excepção do Topázio), entendo melhor o carácter afável do meu prezado Bucellas. O que agora se lança no mercado, de 2010, não deslustra a tradição deste bom branco de Arinto.
O Topázio 2009, um tinto com denominação de origem Douro, é do tipo insinuante, que quer ser bebido sem demora. A menos de 3 € a garrafa, tem sucesso garantido.
O Quinta do Boição etc. 2008 é outra fruta ― naturalmente. Se tomei boa nota das palavras de João Vicêncio, este Regional Lisboa (por sinal, acabado de premiar em Bruxelas) é feito, em partes iguais, de Touriga Nacional e de Syrah; as videiras de Touriga têm cerca de 80 anos, enquanto as de Syrah são novas, razão por que a idade das vinhas indicada nos contra-rótulos e nas fichas de produto é de 40 anos. O vinho tem um aroma inusitado e cativante, e apetece passar um bocado a conversar com ele. Aí está demonstrado como em Bucelas, com saber, também se podem fabricar tintos interessantes.
De modo que, caiam governos, entrem governos, venham credores, partam credores, desça o Belenenses e torne a descer: nós teremos sempre Bucelas.

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