A Enoteca das Caves Velhas é uma loja de vinhos muito especial. Em bom rigor, o lugar já não se chama «Enoteca», já não é uma «loja de vinhos», e as Caves Velhas fazem agora parte do Grupo Enoport ― que, desde o ano passado, se apresenta como «Enoport United Wines». Por sua vez, a «Enoteca» foi mudada em «Enopoint» e a «loja de vinhos» passou a «wine shop». Eu, como não aprecio frequentar «wine shops» (e também acho que «Enojoint» é que era um nome chamativo), continuarei a chamar «Enoteca» àquela esplêndida loja de vinhos. De mais a mais, nunca um sisudo, como eu aspiro a ser, podia deitar-se a escrever: ― «O Enopoint da Enoport United Wines é uma wine shop muito especial.» Sainete, sim, mas com moderação. Avancemos para o que interessa.
Visitar a Enoteca é para mim sempre um prazer. As suas prateleiras acolhem muitos vinhos excepcionais que o Mercado despreza ou desconhece. As mais recentes colheitas do diverso catálogo do grupo coabitam com velhas garrafas de rótulos desfeitos, antiquados ou tão-só preteridos por não serem já suficientemente novos.
Para além dos vinhos velhos, a Enoteca tem outros encantos particulares, como um retrato de Sir Winston Churchill com uma caixa das Adegas Camillo Alves e, possivelmente, as poltronas mais confortáveis onde eu tenho repousado os ossos. Ainda por cima, está instalada no seio de uma das regiões vitícolas mais estimáveis que tem Portugal: a vetusta Bucelas, que agora celebra 100 anos como região demarcada.
Na passada quarta-feira, fui até lá. Eram apresentadas as últimas colheitas do Bucellas e dos tintos Topázio e Quinta do Boição Special Selection Old Vineyards (sim, sim, leitores). Desgraçadamente, comparecemos somente três gatos-pingados ― e nem por isso os nossos anfitriões foram menos diligentes ou atenciosos para connosco. Aliás, depois de conhecer o enólogo João Vicêncio, autor dos vinhos em apreço (com excepção do Topázio), entendo melhor o carácter afável do meu prezado Bucellas. O que agora se lança no mercado, de 2010, não deslustra a tradição deste bom branco de Arinto.
O Topázio 2009, um tinto com denominação de origem Douro, é do tipo insinuante, que quer ser bebido sem demora. A menos de 3 € a garrafa, tem sucesso garantido.
O Quinta do Boição etc. 2008 é outra fruta ― naturalmente. Se tomei boa nota das palavras de João Vicêncio, este Regional Lisboa (por sinal, acabado de premiar em Bruxelas) é feito, em partes iguais, de Touriga Nacional e de Syrah; as videiras de Touriga têm cerca de 80 anos, enquanto as de Syrah são novas, razão por que a idade das vinhas indicada nos contra-rótulos e nas fichas de produto é de 40 anos. O vinho tem um aroma inusitado e cativante, e apetece passar um bocado a conversar com ele. Aí está demonstrado como em Bucelas, com saber, também se podem fabricar tintos interessantes.
De modo que, caiam governos, entrem governos, venham credores, partam credores, desça o Belenenses e torne a descer: nós teremos sempre Bucelas.
terça-feira, 17 de maio de 2011
sábado, 14 de maio de 2011
O amador em viagem
Areias de Fernando Pó |
O que eu então rememorava eram as paisagens do caminho andado para chegar à 16.ª Mostra de Vinhos de Marateca e Poceirão. Muitos e muitos campos de vinha e de pasto, as povoações parecendo abandonadas, a linha do comboio parecendo inútil ― tudo dava a doce impressão de nos estarmos afastando do presente.
Ia no desejo de conhecer os vinhos feitos do Castelão criado nas areias e no calor de Fernando Pó. A primeira boa surpresa foi, porém, um branco de Fernão Pires, num estilo com tradição mas hoje quase desaparecido, a que se chamava «Fernão Pirão». Era um vinho das Fazendas de Almeirim, elaborado à maneira de um tinto, de cor acastanhada, forte, saboroso e, tomando a palavra de quem sabe, com um «torradinho» característico. O que ali encontrei, de marca Monte Carreira, não obstante provir de Fernando Pó, possui sensivelmente as mesmas qualidades. O preço de uma tal relíquia da vinicultura portuguesa? 2,25 € a garrafa!
Os tintos a que ia foram, no geral, uma grata descoberta. Provei, é claro, os famosos vinhos da Casa Ermelinda Freitas; mas é que aprendi que há outros Freitas naquelas terras, e muitos outros vinicultores de que se não ouve falar, a fazer outros vinhos, que são bons de outras maneiras ― e que talvez transportem nas suas redondezas, com outra naturalidade, o suave fumo de um tempo perdido para sempre, o mesmo que pressenti na viagem.
O amador prolongando a sua vida.