sexta-feira, 15 de abril de 2011

Os bons, os maus e os outros

«Os homens são como os vinhos: com o tempo, os bons apuram e os maus azedam.»

Ocorreu-me que havia de pôr aqui esta máxima, atribuída a Cícero, depois de, na última entrada, ter separado o gosto do vinho velho do gosto do outro, que é de beber em novo, antes que o tempo lhe roube a graça.
Tencionava simplesmente transcrever a frase, mas, quando procurava atestar a sua autoria, reparei melhor no sentido do que diz. Se, no plano moral, ela se compreende bem (como convém num aforismo), já é muito discutível a ideia de que os vinhos que o tempo não beneficia não são bons.
É claro que, à época em que Cícero viveu (na hipótese de a frase realmente lhe pertencer, o que não é certo), vinha ainda longe nos séculos o nascimento de Robert Parker, da «Revista de Vinhos» e da blogosfera. Por consequência, não haveria muitos outros adjectivos para qualificar o vinho: quando se deixava beber, e dessedentava e embriagava devidamente, era bom; quando não, era mau.
Muitas eras depois, em 1844, Paul Ben ensinava às donas de casa que o vinho tinha lá os seus requisitos: ― «Um bom vinho é sempre de uma cor clara e brilhante; ao paladar, oferece um sabor macio, um bouquet agradável, não tem nada de duro, de acerbo e de picante, e causa na garganta uma sensação de aveludado.»
Em 1860, nas palavras cientistas de Jules Guyot, o bom vinho aparecia como alimento do espírito: ― «Todo o vinho natural, forte ou fraco em álcool, é um bom vinho, se conserva a sua vida orgânica e se a manifesta por um franco odor, por um concerto de todos os seus elementos num sabor harmonioso ao paladar, por uma digestão fácil, um aumento sensível das forças musculares e por uma actividade maior do corpo e do espírito.» Em seguida, sublinhava-se uma observação elementar: ― «O vinho é bom relativamente e não absolutamente.»
Hoje, na esteira de Guyot, o Professor Virgílio Loureiro afirma: ― «Todo o vinho que não tem defeito é, por definição, um produto de qualidade.» Não quer isto dizer, certamente, que todo o vinho isento de defeito é bom por igual. Recentemente, depois de dar a provar aos seus alunos o ribatejano Tinto Velho 1966, da Casa Francisco Ribeiro, o Professor finalizava assim uma aula: ― «A imagem de um país não se constrói com vinhos do ano ou com vinhos que levaram 80 pontos na “Wine Spectator”; faz-se com vinhos que vencem a prova do tempo.»
Não desmerecendo a sentença de Cícero, eu, por prudência, antes comparava os vinhos aos amigos: é que ambos são para as ocasiões ― mas nem todos, nem sempre, se revelam à altura delas.

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