Talvez não precise já de proclamar o meu gosto dos vinhos velhos; ele está mais ou menos expresso em entradas e comentários anteriores. Este apreço pelas virtudes da maturidade, pela sua elegância e pelo aperfeiçoamento que o tempo geralmente opera em todas as criaturas de boa natureza, não impede, contudo, que me empolgue com um vinho forte e exuberante, desses que positivamente se oferecem a um prazer guloso e imediato.
Foi o que aconteceu há tempos, quando se reuniram à mesa a família, um cozido e o
Quinta de Alcube Trincadeira 2008, um vinho com a indicação geográfica «Terras do Sado» (entretanto mudada em «Península de Setúbal». A propósito, vale a pena espreitar
a portaria que determina a alteração, com a sua bela prosa legisladora, uma extensa lista das castas aptas ao fabrico de vinho com a nova denominação e, acima de tudo, a mimosa geologia do seu artigo terceiro: ― «Solos litólitos não húmicos derivados de materiais arenáceos pouco consolidados» etc.)
Não me sucede muito, levar o copo à boca e, fatalmente sentindo o aroma do vinho, ter de o pousar de novo, sem ter bebido, ao mesmo tempo que me recosto na cadeira e solto exclamações (discretíssimas) de um grande júbilo. Ultimamente, só me lembra beber assim, com tal
dificuldade, o
Falcoaria 2007, um Fernão Pires de alto gabarito ― e agora este Trincadeira
sensualão da
Quinta de Alcube. Na primeira oportunidade, fui até lá.
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O caminho para a adega |
A quinta fica no Parque Natural da Arrábida e é um lugar de muitas delícias: amenidade e bons ares para respirar, ricos queijos, uma manteiga de ovelha preciosa e saborosas laranjas de Setúbal. Depois, há os vinhos.
O seu produtor, João Serra, tem a respeito deles tiradas curiosas. Por exemplo, enquanto se provavam os brancos, declarou: ― «Branco não é vinho!» Sabendo de uma chalaça do mesmo teor, atribuída ao Eça (não se entende porquê), que diz ― «Como não há vinho, beba-se branco» ―, não me engasguei.
Passando aos tintos, o produtor confessou que, em prova cega, já tem dito mal dos próprios vinhos. Também reconheceu que eles não são longevos. De resto, João Serra faz da transparência ponto de honra. Apontando, no contra-rótulo de uma das suas garrafas, as informações que julga imprescindíveis para não se enganar o consumidor, desafiou-me a procurar outro vinho que as apresentasse. Se o conseguir encontrar, ele compromete-se a oferecer garrafas suas em troca dessas, mesmo vazias, desde que exibam todas as três indicações obrigatórias, a saber: «Consumir já ou guardar por um período máximo de tantos anos»; «Desta colheita, fizeram-se tantas garrafas»; «A esta garrafa cabe o número tal». Fiquemos de olho, leitores.
Em conclusão, o produtor pode bem permitir-se dar a ideia de não morrer de amores pelos vinhos que fabrica com o enólogo Jaime Quendera. Aromáticos, capitosos e sedutores, eles cuidam de se vender a si mesmos.