sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Fastio mortal

Achado numa parede do Museu do Vinho de Redondo. O autor atribuído é o médico João Curvo Semedo (1635-1719).


«QUE PROVEITOS E DANOS FAZ O VINHO

Bebido em moderada quantidade, conforta o estômago, ajuda os cozimentos, alegra o coração e alenta muito, e regenera com grande brevidade os espíritos exaustados; mas, se se bebe em grande quantidade, destrói as forças, tira a vontade de comer, introduz fastio mortal e desbarata a boa temperança do fígado e do cérebro.»

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

À Pitú

A Caipirinha é o melhor cacharolete — o melhor drinque — o melhor samba (que é outro nome para cachaça) — de um álcool só. Nem só de vinho vive o amador, gente boa.


Tão boa.

«Uma das grandes vantagens de sermos portugueses é termos um clima perfeitamente oposto ao brasileiro. Em boa verdade, é no inverno que nos chegam do Brasil as melhores limas e, como tal, é natural que aliviemos o frio e a falta de luz do sol com umas belas Caipirinhas.
(...)
Para já, há pelo menos duas Caipirinhas. Existe a mais conhecida entre nós — a baiana — que leva gelo picado e é batida (agitada no shaker). Mas a Caipirinha carioca, mais preguiçosa mas não menos deliciosa (sobretudo se a cachaça, das quais há mais de mil de diferentes idades e proveniências, for valente), é quase desconhecida.

Para fazer uma Caipirinha carioca, usa-se meia lima ou uma lima inteira, cortada em quatro ou oito pedaços respectivamente; pisa-se, com um pilão ou um cabo de vassoura, caso não se tenha um maço brasileiro específico para Caipirinhas; amassando-o ligeiramente com açúcar pilé (o melhor de todos é o açúcar brasileiro União, de grânulo muito fino, à beira do icing sugar europeu) e acrescentam-se, num copo old-fashioned, três ou quatro cubos completos de gelo.

Por cima, deita-se a cachaça; dá-se-lhe três ou quatro voltas com uma colherzinha ou um misturador de plástico, para puxar o açúcar — e pronto! Dirão os meus compatriotas que se trata de uma Caipirinha preguiçosa mas, se a lima e a cachaça forem boas, não há melhor.
(...)
Temos hoje em Portugal uma pequena mas digna escolha de cachaças (eu cá prefiro a Velho Barreiro, mas todas as que há são boas; sendo só pena que a clássica Pitú já não se ache em lado nenhum) (...)»

Miguel Esteves Cardoso, em Com os Copos (2007)

Tão voláteis, os amores de Inverno.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Elogio da simpleza

Já deitando o Inverno mais as suas filhinhas intempéries pelos olhos, recolhemos ao nosso São Alentejo para uma cura de vinhos de talha, iguarias de toda a sorte, paisagens bucólicas, bons ares — e sol, muito sol. O Alentejo, como ancião e sábio, benévolo e verdadeiro, é naturalmente pródigo em gentilezas. Todos os dias nos abençoou com céu azul e sol em abundância.

Banhámo-nos dele o mais que pudemos. Enquanto não caísse a noite, peregrinávamos: em Évora, deambulámos vagarosamente pelas ruas, provámos um Riesling de Sousel e tomámos uma chávena de Earl Grey numa livraria; em Portalegre, sentámo-nos na Sé, descemos ao Rossio para ver o plátano e tornámos acima para ir beber o gin e comer o touro; subimos à Serra, respirámos, parámos a ouvir os rebanhos; passámos na Adega Mayor, trouxemos vinho tinto e chocolates; em Vila de Frades, fomos às laranjas e às talhas e ao pão.

Ao fim do dia, rumávamos de volta ao Al-Andaluz. Al-Andaluz, aprendemos, é o nome do antigo território árabe no sul da Península Ibérica, abrangendo o Alentejo, o Algarve e a Andaluzia de hoje. O emirado, devindo califado e depois reino, desapareceu, como todas as coisas à face da Terra. Contudo, um pequeno reduto dessa civilização de antanho subsiste em Reguengos de Monsaraz. O emir — ou califa — ou rei — da Taberna Al-Andaluz chama-se José Manuel Morgado. Chamemos-lhe D. José.

D. José é um amante do toreo, um carácter galhardo e um gastrónomo culto. Recebe com brios e é um matador exímio, um espada triunfal, dos apetites que o procuram. Entremeses, platos, postres — y vinos, por supuesto: D. José desfere uma só estocada, certeira e fatal.

Nós outros, ainda o prândio ia no adro e já estávamos deliciados, graças a um senhor pomadão sugerido por ele, da vizinha Granja de Mourão, com uma redolência maravilhosa de maracujá (era tinto, sim, senhoras e senhores) e um destes corpinhos de fazer parar operações STOP.

Seguidamente, foi um ver se te avias de manjares los más exquisitos. Saboreemo-los de novo e em nuvem:

Torradinhas com azeite bastantes. Grossos cogumelos assados. Ovos com espargos-bravos. Filetes alimados do melhor biqueirão do mundo, nidificado na foz do Guadiana. Saladinha de sangue de porco cozido. Um módico de rodelas de um embutido dito Catalão de Barrancos. Uma açorda — uma perfeição — recendente a poejo e hortelã-da-ribeira, com duas postas da pescada mais branca — «cor da neve recém-caída» — e fresca jamais pescada. Bolo “rançoso” de Reguengos, que de râncio nada tinha. Com ele, uma dose mélea de xerez. Uma fatia de queijo de Serpa, uma colher de doce de abóbora, um raminho virente de poejo. Et cetera, enfim, tudo bem arrematado ora com uma infusão calmante, ora com a ínfima dose de uma aguardente digestiva — lotada por D. José ele mesmo.

Da Vinci ensina: «A simplicidade é a sofisticação suprema». Thoreau insiste: «Simplicidade, simplicidade, simplicidade!» Eu, só sabendo que nada sei, soarei simplesmente sobre os telhados do mundo, por respeito dos mestres e despeito das filhinhas intempéries do Inverno, o meu barbárico — OLÉ!

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Ouro sobre azul

Mais razões para exaltarmos as Caves São João – Sociedade dos Vinhos Irmãos Unidos. As imagens e o texto que se seguem são achados do nosso tesoureiro Belenenses Ilustrado.

 ⁂

Foi por este que se começou a falar em ataque de boca.

«A cerveja sempre foi a bebida preferida de Matateu.
Carlos Silva, um belenense de nascença que foi seu companheiro de equipa, declarou, em A BOLA de 16 de Abril de 1987, que Sebastião Lucas da Fonseca era homem para beber 30 cervejas por dia. Quase um barril!
Nessa entrevista garantiu ainda que o moçambicano estava autorizado a beber uma cervejinha no intervalo dos jogos, na sua qualidade de ídolo.
Enquanto o resto da equipa se contentava com o chazinho do costume. “Era o seu doping”, explicou Carlos.
Essas revelações de Carlos Silva coincidem com os boatos que corriam em Belém sobre a cervejinha do intervalo, mas as pessoas diziam que Matateu a bebia às escondidas do treinador, na casinha privada onde alguém a escondia atrás da sanita.
A dúvida, então, é se Matateu bebia apenas a cerveja permitida ou esta mais uma clandestina...»

Cerveja, nem vê-la.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Frei João 2011 (branco)

Caves São João – Soc. dos Vinhos Irmãos Unidos. DOC Bairrada. Chardonnay, Bical, Maria Gomes. José Carvalheira (enol.). 12,5% vol. 2,59 € (Continente).

Aberto há dias de mais, despediu-se tão famoso como os dedais estreantes. Eis um vinho branco que enaltece o vinho branco. Não tem nada, mas nadinha, de exuberante ou tropical. É citriníssimo, senhores. Um ensaio sobre a frescura. Só não arrepia porque o ronda alegremente uma evocação de frutos secos, se não de bolo de arroz (que, justamente, quando feito a preceito, tem um sublime saborzinho de limão). Experimente tomá-lo — em vez de o beber — com algumas páginas de mestre Rubem Fonseca e uma porção de amêndoas de Vila Flor de Trás-os-Montes. Mas cautela com as amargosas! Arrepiam!