Se eu soubesse alinhavar um texto — manso como a planície — recto como a vinha — sólido como o edifício caiado.
Sorte é começar bem cedo o dia. Deus ajuda a quem madruga. Nesse dia, partimos suficientemente cedo.
Fomos directos a Arraiolos, para eu comprar uma cestinha de piquenique, para dar à mulher amada, para fazer piqueniques com ela. Continuámos até Estremoz.
Comemos açordas, migas, carne, bebemos vinho e café. Deixámos no quarto as bagagens e a garrafa meia do almoço. Seguimos para Campo Maior.
Esperava-nos Mélanie. Estava sentada na recepção da Adega Mayor, assente numa afloração da planície. Mostrou-nos um filme, projectado na pedra cinzenta e nua. Era Rui Nabeiro, vertido na obra apaixonada, acolhendo o visitante.
Mélanie conduziu-nos ao longo do edifício amplo, cru e direito. Com grossas paredes duplas, a adega dispensa ajustes térmicos. Em cima, é isolada por um terraço relvado e um espelho de água. Um sistema computorizado regula a humidade, aspergindo a atmosfera onde repousam as barricas.
Tocada pelo entusiasmo vital dos Nabeiro, Mélanie teve frases ternas. Disse que o vinho é um produto emocional. Falou do namoro entre o vinho e a barrica. Sentámo-nos a prová-lo. Era verdade. Tem de ser fruto de amor, a graça delicada, feminil e sensual que marca aqueles vinhos, cada um. Discretamente, a barrica amadurou-o, realçou-lhe as virtudes, fundiu nele qualidades.
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Cena de amor |
Apontei como dilectos o
Solista Touriga Nacional e os dois
Reserva do Comendador, branco e tinto. Dias depois, seduzido, pedi uma garrafa do branco. Seria cerne e seiva deste texto. Veio, não a bebi. Se a beber, fico sem ela. Não sei como há-de ser.
(Continua disponível uma fabulosa publicação de 2007, com cerca de 90 páginas dedicadas por inteiro à Adega Mayor e ao projecto de Álvaro Siza Vieira. São textos, desenhos, plantas, a memória descritiva do edifício e, acima de tudo, muitas fotografias maravilhosas.
Não deixe de folhear.)