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Alento |
Certa manhã prometedora de sol, um tipo agarra o volante e põe-se a caminho de Estremoz. Andados poucos quilómetros, ao virar de uma curva na auto-estrada, depara-se uma muralha extensa de nevoeiro. O carro fura, adentrando outra estação, parda, nevoenta, chuvosa.
Até à ponte sobre o Tejo, é um trajecto curto mas congestionado de centos de alminhas, que rodam arrastadamente para Lisboa. Uma vez liberto, preocupado com as horas e convicto de reaver ao Sul o sol, um tipo acelera. São pontuais 10h30 quando cruza o portal e sobe à Adega do Monte Branco. Sol, está de chuva.
Um tipo é ali bem recebido, por caras jovens, gentis, que sorriem e conversam de boa vontade. Vê-se a adega, que é moderna, porém simpática, moderada em dimensões e apetrechos. Sente-se o cheiro do vinho acabado de fermentar. Conhece-se que o negócio prospera, na larga medida em que crescem as exportações. Pela janela, admira-se um momento a paisagem fria: não há uvas; não há cor; não há sol.
Vai-se dali para a Quinta do Mouro — propriedade de Miguel Louro — pai de Luís Louro — proprietário da Adega do Monte Branco. (Um tipo topa a coincidência entre «Mouro», «Louro», «M. Louro».) Tem-se aí o gosto de apertar a mão tinta do vinicultor Luís Chouriço. Ouve-se-lo explicar as modas mais conservadoras da casa, como a pisa a pés ou o uso de uma velha prensa a força de braços. Vê-se a adega, que não é moderna, porém funcional, austera em dimensões e apetrechos.
Daí, ascende-se a uma vetusta sala de visitas. Sobre a mesa, perfilam-se copos e garrafas: de um lado, os vinhos contemporâneos do Louro filho; do outro, os vinhos classicistas do Louro pai. Provam-se os primeiros, branco, rosé, tinto e reservas, que são muito bons, e um tipo tem forçosamente de elogiar o nome deles, no que tem de bem achado, e luminoso, e singelo: Luís Louro produz e engarrafa
Alento.
Prossegue-se com os demais,
Vinha do Mouro,
Casa dos Zagalos,
Quinta do Mouro, «Rótulo Dourado», e um tipo observa que, quanto mais severo o rótulo, tanto maior o condão que o vinho tem de emudecer em reverência um tipo.
Entretanto, é hora de almoço. O céu parece clarear um pouco. Trocam-se adeuses e obrigados.
Sozinho em Estremoz, famélico, pouco abonado — que há-de um tipo fazer? Suprema sofisticação da simplicidade: vai comer uma açorda fumegante, que é de poejos e recende.
Depois, sai-se para a rua. Está sol, finalmente. Parecendo que não, é outro alento.