segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Carlos

«— Bucelas? — murmurou-lhe sobre o ombro o escudeiro.
O administrador ergueu o copo, depois de cheio, admirou-lhe à luz a cor rica, provou-o com a ponta do lábio, e piscando o olho para Afonso:
— É do nosso!
— Do velho — disse Afonso. — Pergunte ao Brown... Hein, Brown, um bom néctar?
— Magnificente! — exclamou o preceptor com uma energia fogosa.
Então Carlos, estendendo o braço por cima da mesa, reclamou também Bucelas. E a sua razão era haver festa por ter chegado o Vilaça. O avô não consentiu; o menino teria o seu cálice de Colares, como de costume, e um só. Carlos cruzou os braços sobre o guardanapo que lhe pendia do pescoço, espantado de tanta injustiça! Então nem para festejar o Vilaça poderia apanhar uma gotinha de Bucelas? Aí estava uma linda maneira de receber os hóspedes na quinta... A Gertrudes dissera-lhe que como viera o sr. administrador, havia de pôr à noite para o chá o fato novo de veludo. Agora observavam-lhe que não era festa, nem caso para Bucelas... Então não entendia.
O avô, que lhe bebia as palavras, enlevado, fez subitamente um carão severo.
— Parece-me que o senhor está palrando de mais. As pessoas grandes é que palram à mesa.
Carlos recolheu-se logo ao seu prato, murmurando muito mansamente:
— Está bom, vovô, não te zangues. Esperarei para quando for grande...
Houve um sorriso em volta da mesa. A própria viscondessa, deleitada, agitou preguiçosamente o leque: o abade, com a sua boa face banhada em êxtase para o menino, apertava as mãos cabeludas contra o peito, tanto aquilo lhe parecia engraçado: e Afonso tossia por trás do guardanapo, como limpando as barbas — a esconder o riso, a admiração que lhe brilhava nos olhos.»

Eça de Queiroz, em Os Maias (1888)

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Catapereiro 2015 (branco)

2015-2015. Paz à sua alma.

Companhia das Lezírias. Regional Tejo. Fernão Pires, Vital, Verdelho. 12,5% vol. 1,99 € (Pingo Doce).

Casca de melão. Casca de ananás. Pastilha elástica. Bolacha Maria. Verde na boca e um nadinha salgado.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Vinha bêbado

VINHA BÊBADO SEMPRE PARA CASA

Vinha bêbado sempre para casa
Resmungando uma coisa só metade.
Mas os que não vêm bêbados p’ra casa,
Trarão consigo mais verdade?

Sim, o que é vinho tolda a inteligência:
O homem sonha e supõe que isso é pensar.
Mas o não beber vinho dá ciência?
O andar direito é acertar?

Não, o critério é errado; que o que importa
Não é saber, cá neste mundo vão,
Se se pode encontrar a casa e a porta,
Mas se se encontra o coração.

Fernando Pessoa (1934)

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Quinta de S. Francisco 2010

Amigos leitores: é Primavera; e nós estamos vivos.



Comp. Agr. do Sanguinhal. DOC Óbidos. Castelão, Aragonez, Touriga Nacional. Miguel Móteo (enol.). 13,5% vol. 4,99 € (Intermarché).

Notas aromáticas de pimento {verde}, fruta silvestre, resina {de pinheiro}, After Eight Mint Chocolate Thins e café. Aveludado (mas ainda com uma suave rugosidade, e tintureiro, descobre-se nos dentes), fino, de contornos nítidos, frutado, com um bom travo vegetal.

quinta-feira, 31 de março de 2016

Terra d'Alter Reserva 2012

Ih... deixei-me hibernar. Granda urso.



Terras de Alter, Comp. de Vinhos. Regional Alentejano (Fronteira). Trincadeira, Tinta Caiada, Aragonez e outras de vinhas velhas. Peter Bright (enol.). 15% vol. Cerca de 14 € (Café Alentejo).

Aroma complexo, insinuante, de flores, frutos e plantas silvestres, com notas balsâmicas e uma exalação de perfume feminino. Grande na boca, em estrutura, sabor e final. Seriamente bom.