sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Soluço espiclondrífico

No folheto da actual campanha de vinhos do Continente, que brinda o povo com as espiclondríficas, “lavantes” e “sucrosas” notas de prova de Aníbal Coutinho, lê-se esta explicação dos vinhos do Alentejo:

«Produzidos sobre sol intenso, tornam-se vinhos com uma graduação acima da média nacional, que lhes confere um sabor macio.» Ou seja, os vinhos alentejanos são mais alcoólicos do que os outros porque apanham sol por baixo. E depois:

«Os brancos caracterizam-se pelas suas cores e aromas expressivos, dominados pelas castas presentes em maior quantidade.» Portanto, as castas presentes em menor quantidade não logram dominar. Nos brancos alentejanos, pelo menos.

Dúvidas? Então podem sair e ir ao Continente comprar Vinha do Putto. Diz que tem notas de pastelaria doce. Mesmo a pastelaria que eu mais gramo.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

A fé da malta

Hoje, se o leitor me dá licença, faz anos o meu clube: o Clube de Futebol Os Belenenses. (Clube de Futebol. Não é Futebol Clube. Não é Sport nada. É Clube de Futebol. Os rapazes da praia eram portugueses de Belém.) 95 anos.

A data justifica que se saia de casa propositadamente para comprar um Ramos Pinto, digamos um Bons Ares ou um Duas Quintas. Porque os brindes, os vivas e os votos desta noite hão-de ressoar sobre os telhados do mundo a fé da malta: ― Com este símbolo, vencerás.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Hoje adiemos

Sem clepsidra ou relógio o tempo escorre

Sem clepsidra ou relógio o tempo escorre
E nós com ele, nada o árbitro escravo
          Pode contra o destino
Nem contra os deuses o mortal desejo.
Hoje, quais servos com ausentes deuses,
Na alheia casa, um dia sem o juiz,
          Bebamos e comamos.
Será para amanhã o que aconteça.

Tombai, mancebos, o vinho em nobre taça
E o braço nu com que o entornais fique
          No lembrando olhar
Como uma água que parece vinho!
Sim, heróis somos todos amanhã.
Hoje adiemos. E na erguida taça
          O roxo vinho espelhe
Depois — porque a noite nunca falta.

Ricardo Reis (s. d.)