Nos vinhos, quais são os seus clássicos? Tem uma reserva de imprescindíveis?
Confesso que a resposta é negativa em relação a ambas as perguntas... Ou seja: não tenho uma reserva de vinhos imbatíveis. Depende muito da estação do ano, da meteorologia, da comida, daquilo que se vai fazer a seguir, daquilo que se fez antes. Um vinho não se bebe num laboratório, como se todo o bebedor fosse um provador e um detector organoléptico... De modo que há vinhos que são eternos porque apelam a uma memória, a um sentido da vida, a uma esperança no destino – não exagero. Eu nasci na aldeia onde se produziu o primeiro Barca Velha, o que me deixa sempre comovido. O Quinta da Leda de outrora era mesmo ao lado. O novíssimo Meandro e o Vale Meão, naturalmente. Fazem parte da minha geografia, da forma como se olha o rio, da maneira como recordo as idas do meu avô à Quinta do Vale Meão e eu o acompanhava (ele era operário, e fazia consertos na canalização da quinta...). O Quinta da Leda de 2009 é um bom exemplo de grande vinho, tal como o Robustus Niepoort ou o Poeira. À parte isso, há vinhos como o Valle Pradinhos, por exemplo, que evocam também uma parte da minha infância em casa dos avós maternos, perto de Bragança... De resto, apaixonam-me os novos brancos e rosés do Douro, que provam e sustentam a capacidade inventiva dos criadores da região. E às vezes tenho saudades de vinhos que já não existem, como o Grantom dos anos setenta... Ou do Evel branco de 2000, uma pérola que não se repete.
Tomemos o arroz de bacalhau de Jaime Ramos. Ramiro levou uma garrafa de vinho, não sabemos qual, para o jantar com o inspector. Aquele prato não tem o seu vinho perfeito?
Tem. Eles bebem Valle Pradinhos branco. Uma recordação de adolescência tardia, um sabor único, um aroma frágil.
Enochateia-se facilmente? Quantos descritores aromáticos parvos são precisos para irritar um duriense?
Irrito-me, sim. Os enochatos são uma categoria de gente aborrecida, capazes de destruir um vinho só com uma frase. A verdade é que se trata de uma forma de estar na vida, e eles dependem largamente da sua capacidade de alardear conhecimentos a propósito e despropósito. É como se vivessem num laboratório e numa “lista dos vinte mais”... Ora, que eu saiba, o comportamento de um vinho depende muito da companhia para jantar, das conversas à mesa, da comida, da paisagem, do apetite. Não acredito em características imutáveis de um vinho e suponho, mesmo, que um vinho perde qualidades quando é bebido com pessoas aborrecidas. A ideia de que um vinho sabe a madeiras velhas, ou a amoras silvestres, ou a cera de eucalipto ou a terebintina, é-me razoavelmente duvidosa. Um vinho é a sua paisagem, a sua poeira, a sua memória, o prazer que nos concede.
2 comentários:
embora eu também não seja um grande amigo de muita etiquetagem e descritores disto e daquilo, por vezes torna-se necessário para conseguir comunicar as características do que se bebe. se formos apenas pelas memórias que são só nossas, a paisagem e o prazer, também pouco comunicável, não se comunica nada.
dizer apenas que o vinho x me encheu a alma pode levar quem lê a procurar um vinho que é de um estilo completamente oposto ao que lhe agrada. se pelo meio eu disser algumas coisas, nao demasiadas, se tem mais ou menos madeira, se puxa mais pela fruta ou é mais terroso ou fresco ou robusto ou etc etc já comunico mais qualquer coisa.
ha que encontrar um ponto de equilibrio na coisa e confesso que nao me esta a ser facil.
Sim, é uma questão de equilíbrio e de bom senso.
No entanto, quem nunca falou de cor que atire a primeira magnum aos cornos de qualquer bloguista.
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